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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

SPEMD - Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac | 2018 | 59 (4) | 205-214




Investigação Original

Atitudes, comportamentos e estado de saúde oral dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa

Attitudes, behavior and oral health status of 3rd-year students of the Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa


a Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa, Lisboa, Portugal
Sónia Mendes - sonia.mendes@fmd.ulisboa.pt

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Volume - 59
Issue - 4
Investigação Original
Pages - 205-214
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Received on 11/11/2018
Accepted on 04/02/2019
Available Online on 21/02/2019


Investigação original

 

Atitudes, comportamentos e estado de saúde oral dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa

Attitudes, behavior and oral health status of 3rd-year students of the Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa

 

Sónia Ferreira, Teresa Albuquerque, Mário Bernardo, Sónia Mendes*

Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa, Lisboa, Portugal

 

*Correspondência:

 

http://doi.org/10.24873/j.rpemd.2018.11.439

 

Resumo

Objetivos: Estudar as atitudes (HUDBI) e os comportamentos de saúde oral dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL); Conhecer o estado de saúde oral da mesma população; Relacionar as atitudes e os comportamentos com o estado de saúde oral; Verificar a existência de diferenças entre os vários cursos da FMDUL relativamente aos comportamentos, às atitudes e ao estado de saúde oral.

Métodos: A recolha de dados foi realizada através de um questionário e de uma observação intraoral que incluiu o registo de cárie dentária (ICDAS II), presença de hemorragia gengival (IPC modificado) e o nível de higiene oral (ID-S). Foi realizada a análise descritiva dos dados e utilizados os testes Qui-quadrado, ANOVA e Correlação de Pearson (α=0,05).

Resultados: A amostra incluiu 102 estudantes. O valor médio do HUDBI foi 8,56 (dp=1,5). A prevalência de cárie foi 97,1% e o CA-6POD médio 6,7 (dp=3,8). Metade dos participantes apresentou uma higiene oral boa e 49% apresentou hemorragia gengival. Verificou-se uma associação entre o HUDBI e o valor do CA-6POD (α=-0,241; p= 0,015). Os estudantes de Higiene Oral e Medicina Dentária apresentaram valores superiores do HUDBI (p=0,001). Os estudantes de Higiene Oral apresentaram um melhor nível de higiene oral (p=0,005) e menos hemorragia gengival (p=0,004).

Conclusões: Os estudantes do 3.º ano da FMDUL apresentaram bons indicadores de saúde oral, no que se refere ao nível de higiene oral e hemorragia gengival, mas a prevalência de cárie pode considerar-se elevada.

Palavras-chave: Atitudes, Cárie,Comportamentos, Estudantes, Higiene oral,Saúde oral

 

Abstract

Objectives: To study oral health-related attitudes (HUDBI) and behaviors of the 3rd-year students of the Faculty of Dental Medicine of the University of Lisbon (FMDUL); To determine the oral health status of that population; To assess the relationship between oral health-related attitudes and behaviors and oral health status; To identify differences between the various FMDUL courses regarding oral health-related behaviors and attitudes and oral health status.

Methods: The sample included 102 students. Data was collected through a questionnaire and an intraoral observation that assessed dental caries registration (ICDAS II), presence of gingival bleeding (modified CPI) and oral hygiene level (DI-S). Descriptive data analysis was performed using the chi-square test, ANOVA and Pearson's correlation (α=0.05).

Results: The mean value of HUDBI was 8.56 (SD=1.5). The prevalence of caries was 97.1% and the mean CA-6POD 6.7 (SD=3.8). Half of the participants had good oral hygiene and 49% showed gingival bleeding. There was an association between the HUDBI and the CA-6POD value (α=-0.241; p=0.015). Oral Hygiene and Dental Medicine students presented higher values of HUDBI (p=0.001). Oral Hygiene students had a better oral hygiene level (p=0.005) and less gingival bleeding (p=0.004).

Conclusions: FMDUL’s 3rd-year students presented good oral health indicators regarding oral hygiene and gingival bleeding, but the prevalence of caries may be considered too high.

Keywords: Attitudes, Dental caries, Behaviors,Students, Oral hygiene, Oral health

 

Introdução

A Organização Mundial da Saúde considerou a cárie e a doença periodontal entre os principais problemas de saúde pública, devido à sua elevada prevalência e incidência em todo o mundo. 1

As patologias orais podem ter impacto na vida quotidiana, afectando o relacionamento interpessoal, a autoconfiança e o bem-estar geral.2 A saúde oral de um indivíduo está associada aos seus comportamentos, sendo a higiene oral e a frequência de ingestão de hidratos de carbono os comportamentos referidos como os mais importantes relacionados com a saúde oral. 3 - 5 Os comportamentos dependem em larga medida, não só dos conhecimentos, mas essencialmente das crenças e atitudes dos indivíduos.6 Ter conhecimento, embora seja importante, não é suficiente por si só para levar à alteração dos comportamentos.

Para haver mudança, o indivíduo, e a população onde este se insere, têm de valorizar esses comportamentos e, consequentemente, ter a iniciativa de adotar esses novos comportamentos.6

Adicionalmente, o sucesso da aquisição de um comportamento requer, para além da aptidão para o executar, uma crença positiva na própria capacidade de acreditar que é capaz de o fazer,7 ou seja, que o indivíduo acredite na sua autoeficácia.

O Hiroshima University Dental Behavioural Inventory (HUDBI) é um instrumento que avalia a autoperceção, as atitudes e os comportamentos relacionados com a saúde oral. Foi elaborado originalmente em japonês por Kawamura,8 tendo posteriormente sido traduzido e adaptado para a língua e cultura portuguesa.9 O HUDBI é composto por 21 itens que apresentam um formato de resposta dicotómica (concordo / discordo). Dos 21 itens, 9 são considerados como dummy, uma vez que não são ponderados para o cálculo do valor total do inventário. No entanto, estes itens dummy podem servir para dar informação sobre o respetivo tópico. Quanto mais elevada é a pontuação obtida, mais positivas são as atitudes e os comportamentos.

Alguns estudos confirmaram a relação existente entre o resultado do HUDBI e o estado de saúde dentário, periodontal e o nível de higiene oral do indivíduo. 10, 11

Foi descrito que as atitudes de autocuidado dos profissionais de saúde modelam os comportamentos e o estado de saúde dos seus pacientes.12 Os comportamentos e atitudes dos profissionais, no que diz respeito à sua própria saúde, espelham o seu entendimento sobre a importância dos mesmos na prevenção dos problemas orais. Este entendimento influencia a sua própria capacidade de ensinar e motivar os pacientes, contribuindo para a melhoria do seu estado de saúde oral.13, 14

A influência dos cursos da área da saúde oral no desenvolvimento das atitudes e dos comportamentos relativos à saúde oral dos seus estudantes tem sido alvo de vários estudos.9, 13, 15 - 20 Ao receber uma formação diferenciada nesta área, o estudante deve ser preparado para agir como um exemplo.21

Os estudantes, como futuros profissionais de saúde, têm como missão ajudar a promover comportamentos saudáveis na população; devem fomentar as próprias competências comportamentais e de comunicação; e desenvolver a interação e empatia com os seus pacientes, caraterísticas que assumem um papel cada vez mais relevante, em harmonia com a sua preparação científica. 22, 23

O presente trabalho tem como finalidade conhecer o estado de saúde oral, os comportamentos e as atitudes face à saúde oral dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), correspondente ao final do primeiro ciclo de estudos do ensino superior (Licenciatura). Os seus objetivos são: 1) Estudar as atitudes e os comportamentos de saúde oral (HUDBI, higiene oral, consumo de hidratos de carbono e visitas ao médico dentista); 2) Conhecer o estado de saúde oral (prevalência e gravidade de cárie, nível de higiene oral e presença de hemorragia gengival); 3) Relacionar as atitudes e os comportamentos com o estado de saúde oral; 4) Verificar a existência de diferenças entre os vários cursos da FMDUL (Medicina Dentária, Higiene Oral e Prótese Dentária) relativamente aos comportamentos, às atitudes e ao estado de saúde oral.

Material e métodos

Para alcançar os objetivos propostos foi realizado um estudo observacional, analítico e transversal. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da FMDUL e pela direcção da mesma instituição.

A população do estudo foi constituída por estudantes que frequentavam o 3.º ano dos cursos de licenciatura em Higiene Oral, de licenciatura em Prótese Dentária e de Mestrado Integrado em Medicina Dentária da FMDUL, no ano letivo 2017/2018.

Foram incluídos no estudo os estudantes que participaram voluntariamente e que assinaram o consentimento livre, informado e esclarecido. O trabalho de campo foi efetuado durante o segundo semestre do ano letivo 2017/2018, entre março e maio. Este momento de recolha de dados permitiu avaliar os estudantes perto da conclusão do 1.º ciclo de estudos.

Para a recolha dos dados foi aplicado um questionário e realizada uma observação intraoral. O questionário aplicado foi igual ao desenvolvido para um estudo anterior,24 tendo sido distribuído numa sala de aula, após a explicação dos objectivos e procedimentos do estudo. O questionário foi constituído por um conjunto de questões sobre dados demográficos e sobre atitudes e comportamentos relacionados com a saúde oral. Esta última secção inclui a versão portuguesa do HUDBI.18 19

A observação intraoral foi realizada por um observador treinado e calibrado e incluiu o registo de cárie dentária (segundo os critérios do International Caries Detection and Assessment System – ICDAS II),25 de hemorragia gengival (IPC modificado)26 e de placa bacteriana (componente de detritos moles – ID-S do IHO-S).27 Esta observação realizou-se numa sala de aula, com iluminação natural e artificial, tendo sido sempre considerada a privacidade dos participantes e tendo sido tomadas todas as medidas de controlo de infeção cruzada.

No que diz respeito ao registo de lesões de cárie (Critérios ICDAS II) e seguindo as recomendações para estudos de “campo”, 28 os códigos 1 e 2, correspondentes a lesões iniciais, foram agregados num único código “A”. Esta agregação está prevista quando há impossibilidade de efetuar a secagem dos dentes com ar comprimido.

A gravidade de cárie correspondeu ao valor médio do índice CPOD (índice de dentes cariados perdidos e obturados),26 mais especificamente ao CA-6POD, ou seja, incluindo todos os dentes cariados, perdidos ou obturados e considerando os critérios de lesão de cárie do ICDAS II de “A” a 6. A prevalência de cárie foi obtida através da percentagem de indivíduos que apresentavam um CA-6POD diferente de zero.

A análise dos dados foi efetuada no programa SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 25.0. Armonk, NY: IBM Corp.). Foi realizada a análise descritiva das variáveis, sendo calculadas as frequências absolutas e relativas e, nas variáveis numéricas, a média, moda, mediana e desvio padrão. Para testar a normalidade das variáveis foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. O estudo da relação entre as variáveis foi efetuado com os testes Qui-quadrado e ANOVA seguida de comparações múltiplas utilizando o Teste de Tukey. A relação entre variáveis numéricas foi estudada utilizando a Correlação de Pearson. O nível de significância estatística utilizado foi de 5%.

Resultados

A amostra foi constituída por 102 estudantes, correspondendo a uma taxa de participação de 81,6% (Figura 1). A média de idades dos participantes foi de 22,18 anos (dp=3,0). A caracterização da amostra é apresentada na Tabela 1.

 

 

 

A grande maioria dos estudantes referiu escovar os dentes pelo menos duas vezes por dia (98%) e utilizar dentífrico fluoretado na escovagem (91,2%). O momento de escovagem mais frequente foi “antes de ir dormir” (86,3%). Apenas 20,6% dos estudantes utilizava fio dentário diariamente. Uma grande percentagem dos participantes afirmou consumir hidratos de carbono a maioria dos dias (44,1%), sendo o momento de consumo mais frequente “entre as refeições” (52,9%). Mais de metade dos participantes (60,8%) respondeu que aumentava o consumo de hidratos de carbono durante as épocas de estudo (Tabela 2). Cerca de 84% dos participantes referiram realizar consultas regulares com o médico dentista, mesmo não tendo queixas. Dos estudantes que visitaram o médico dentista no último ano, a maioria (73,5%) fê-lo por rotina (Tabela 3).

 

 

 

O valor médio do HUDBI encontrado foi de 8,56 (dp=1,5), sendo o valor mínimo 5 e o máximo 12. A frequência de resposta em cada um dos itens que compõem o HUDBI é apresentada na Tabela 4. Os itens com uma grande percentagem de concordância foram a preocupação com a cor dos dentes (97,1%), com a cor da gengiva (92,2%) e com o mau hálito (99%).

Relativamente à escovagem, 24,5% dos participantes referiu nunca ter recebido orientação profissional de como realizar a escovagem dentária.

A prevalência de cárie dentária foi de 97,1% (n=99) e a média do CA-6POD foi de 6,7 (dp=3,8) (Tabela 5). A distribuição de cárie pelos vários valores de CPOD é apresentada na Figura 2.

 

 

 

 

A média de ID-S encontrada foi 0,6 (dp=0,39), tendo sido registado um mínimo de 0 e um máximo de 2 (Tabela 5). Metade da amostra apresentou uma higiene oral “boa” (Figura 3).

 

 

A prevalência de hemorragia gengival foi de 49,0% (n=50). Apesar disso, a média de sextantes com hemorragia pode ser considerada bastante baixa com um valor de 0,1 (dp=0,2) (Tabela 5).

Não foi encontrada uma relação estatisticamente significativa entre o HUDBI e o ID-S (ρ= -0,156; p= 0,117), nem com o IPC modificado (ρ= -0,171; p= 0,085). No entanto, verificou-se a existência de uma associação significativa entre o HUDBI e o CA-6POD (ρ= -0,241; p= 0,015), tendo os estudantes com valores mais altos de HUDBI, menor CA-6POD.

Os estudantes dos cursos de Higiene Oral e Medicina Dentária apresentaram valores superiores do HUDBI relativamente aos estudantes de Prótese Dentária. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os 3 cursos no que diz respeito ao CA-6POD. Os estudantes do curso de Higiene Oral apresentaram menores valores de ID-S e de IPC modificado que os estudantes de Medicina Dentária e Prótese Dentária (Tabela 6 Não se verificaram diferenças significativas nos estudantes dos 3 cursos quando analisada a frequência de utilização do fio dentário, do aumento do consumo de hidratos de carbono nas épocas de estudo e da regularidade da ida ao médico dentista. Relativamente à frequência do consumo de hidratos de carbono os estudantes do curso de Higiene Oral referiram consumir estes alimentos mais frequentemente do que os estudantes de Medicina Dentária e de Prótese Dentária (Tabela 7).

 

 

 

Discussão

O estudo dos conhecimentos atitudes e comportamentos em saúde oral entre os estudantes dos cursos de saúde oral é especialmente relevante. Sendo estes estudantes os futuros profissionais de saúde oral, serão eles os principais responsáveis pela promoção e educação para a saúde oral dos seus pacientes, devendo utilizar, não só os conhecimentos que lhes foram transmitidos ao longo do curso, mas também as suas crenças e atitudes, sendo eles próprios modelos para os pacientes e para a sociedade.19, 20 Desta forma, importa esclarecer o impacto da educação e da formação dos profissionais de saúde oral na melhoria do seu estado de saúde oral e na modelagem dos seus comportamentos e atitudes. Assim, o presente estudo pretendeu caracterizar os comportamentos, atitudes e estado de saúde oral dos estudantes dos três cursos da FMDUL, no final do seu 1.º ciclo de estudos, ou seja, após três anos de educação superior. Nos cursos de licenciatura em Prótese Dentária e Higiene Oral, o 1.º ciclo de estudos corresponde ao final do curso. No curso de Medicina Dentária, sendo este um curso de Mestrado Integrado, o fim do 1.º ciclo não corresponde ao final do curso, faltando mais dois anos de formação para a sua conclusão.

A amostra do estudo apresentou uma média de idades perto dos 22 anos, sendo esta expectável uma vez que os participantes do estudo correspondem a estudantes, na sua maioria a frequentar o ensino superior há 3 anos, entrando estes estudantes, na sua maioria, com 18 anos no 1.º ano do ensino superior.

O número de indivíduos do sexo feminino foi bastante superior ao masculino, correspondendo à distribuição característica dos cursos de saúde. 19, 20, 29 Também a percentagem superior de estudantes de Medicina Dentária reflete a distribuição por curso observada na FMDUL. Tendo em conta as características da amostra e que a taxa de participação no presente estudo é considerada elevada (81,6%), é aceitável extrapolar os resultados obtidos para toda a população de estudantes do 3.º ano da FMDUL.

A frequência de escovagem bidiária (98%) foi superior à da população portuguesa em geral (84,7%)30 e também superou os resultados encontrados por Albuquerque19 na mesma população (85,5%). A frequência de escovagem também foi mais elevada quando comparada com os resultados de um estudo realizado nos estudantes do 1.º ano dos mesmos cursos da FMDUL,24 o qual encontrou um valor de 89,7% e cuja população é, em parte, coincidente com a do presente estudo, pois foi realizado três anos antes (ano letivo de 2015/16). Por outro lado, o resultado encontrado foi semelhante ao estudo de Queirós31 o qualrefere uma frequência de 100%. A boa implementação da escovagem bidiária era expectável em estudantes com três anos de frequência de cursos da área da saúde oral. Por outro lado, a utilização do fio dentário revelou-se baixa, com apenas 20,6% dos participantes a referir a sua utilização diária. Não obstante, o valor foi semelhante ao encontrado por Albuquerque,19 que registou 19,1%, e superior ao de Fortes e colaboradores,24 que foi de 7,8%. A melhoria deste comportamento é essencial para a prevenção da cárie e das doenças periodontais,32, 33 pelo que este é um tópico fundamental a reforçar no ensino dos cursos.

Cerca de 44% dos participantes afirmaram consumir alimentos açucarados “a maioria dos dias”, resultado semelhante a 47,8%, encontrado por Fortes e colaboradores.24Estes valores podem considerar-se ainda mais insatisfatórios quando se verifica que o consumo ocorre maioritariamente entre as refeições (52,9%). Comparando com os resultados obtidos nos estudantes do 1.º ano dos mesmos cursos (68,1%),24 verifica-se que houve uma melhoria deste comportamento. O consumo frequente de hidratos de carbono “entre as refeições” deve ser evitado, pois está associado a uma maior suscetibilidade de desenvolvimento de cárie, devido à frequente descida do pH baixo do valor crítico, resultando em ciclos de desmineralização mais frequentes. 34, 35 É ainda interessante verificar que 60,8% dos participantes referiu aumentar o consumo de alimentos açucarados durante os períodos de avaliação. Existe uma relação bem estabelecida entre a avaliação, períodos de maior stress e o maior consumo de alimentos com açúcar, tais como chocolate, bolachas e bebidas açucaradas.36, 37 Considerando que os estudantes universitários estão particularmente expostos ao stress, salienta-se também a necessidade de discutir e abordar este tópico durante a sua formação académica.

Tal como seria de esperar, a população do presente estudo apresentou comportamentos positivos no que se refere à visita ao profissional de saúde oral, pois estes estudantes estão num meio no qual o acesso a consultas de medicina dentária e higiene oral é facilitado.

O valor médio de HUDBI encontrado foi 8,56 sendo este valor superior a outros estudos realizados em Portugal, nomeadamente por Albuquerque19 e por Dias38 que encontraram valores de 7,82 e 7,8, respetivamente. Estudos realizados noutros países, em populações de estudantes, apresentaram valores bastante inferiores, variando entre 5,05 e 7, 13, 17, 19, 29, 39 É interessante verificar que, quando comparados com os resultados obtidos por Fortes e colaboradores24 em estudantes do 1.º ano (7,28), as atitudes e comportamentos do presente estudo revelaram-se mais positivas, levando a crer que ocorre uma melhoria relacionada com a experiência formativa durante o 1.º ciclo de estudos. Outros estudos realizados em populações semelhantes,9, 40 mostram que existem diferenças significativas dos valores médios do HUDBI entre o início e o fim do curso, verificando-se a mesma tendência de melhoria. Existe uma provável influência da aquisição de conhecimentos relativos a atitudes e comportamentos de saúde ao longo da formação académica e da vivência clínica universitária. 17 - 20 À medida que os estudantes progridem no curso, tendem a tornar-se mais atentos e conscientes da importância da sua saúde, aumentando a crença desta importância e também da sua autoeficácia, no que se refere ao controlo dos comportamentos.

A prevalência de cárie dentária da amostra foi de 97,1%, sendo superior ao valor encontrado noutros estudos portugueses realizados em estudantes universitários. 19, 24 O valor da prevalência de cárie foi também superior ao encontrado no III Estudo Nacional da Prevalência das Doenças Orais, no qual a prevalência encontrada nos indivíduos de 18 anos foi de 89%.41

Apesar da prevalência ser mais alta, o CA-6POD médio (gravidade de cárie) foi de 6,7, resultado semelhante ao obtido noutros estudos portugueses. 24, 41

A explicação para a prevalência de cárie encontrada no presente estudo ser elevada relaciona-se com o facto de terem sido consideradas lesões iniciais de cárie. Por outro lado, a maior prevalência encontrada em comparação com os resultados do III Estudo Nacional da Prevalência das Doenças Orais é explicada pela idade dos participantes no presente estudo ser superior. Sendo o CPOD um índice cumulativo e irreversível que inclui a história presente e passada da doença, apresenta uma tendência para aumentar com a idade.

No entanto, a média de CPOD revelou-se inferior à obtida para a população portuguesa de 18 anos,41 podendo este resultado estar relacionado com o facto da população dos estudantes da FMDUL ter uma formação diferenciada, com acesso a uma diversidade de informação específica na área da saúde oral.

Os valores de ID-S demonstram uma boa higiene oral e podem indicar uma melhoria ao longo do percurso académico, pois de acordo com os resultados de Fortes e colaboradores24 em estudantes do 1.º ano, a maioria dos mesmos apresentava um nível de higiene oral “razoável”.

Também se observaram melhores resultados no parâmetro da hemorragia gengival (IPC modificado), passando de 98,3% nos estudantes do 1.º ano da FMDUL24 para 49% nos estudantes do 3.º ano (presente estudo). A população portuguesa de 18 anos41 apresenta, tal como seria de esperar, uma presença de hemorragia um pouco superior (57,8%) à dos participantes do presente estudo.

Quando analisados os fatores associados ao HUDBI, não foi encontrada nenhuma relação com o ID-S, nem com o IPC modificado, resultado que vai ao encontro do que foi obtido noutros estudos. 19, 24 Coerentemente, verificou-se a existência de uma relação significativa entre o HUDBI e o CA-6POD, em que quanto maior o nível de HUDBI, menor a gravidade de cárie dentária.

Os estudantes dos cursos de Higiene Oral e Medicina Dentária apresentaram valores superiores do HUDBI relativamente aos estudantes de Prótese Dentária, demonstrando melhores atitudes e comportamentos relacionados com a saúde oral.

No estudo de Albuquerque19 esta diferença também foi encontrada. Já o estudo de Fortes e colaboradores24 não obteve qualquer relação entre estas variáveis mas, como foi realizado nos estudantes do 1.º ano, no início dos seus cursos de saúde oral, seria menos provável encontrar diferenças. Estes resultados evidenciam a provável influência da aquisição de conhecimentos relativos a atitudes e comportamentos de saúde oral leccionados em disciplinas dos cursos de Higiene Oral e de Medicina Dentária, bem como através da experiência da prática clínica adquirida durante os cursos. Esta experiência clínica só se verá refletida no curso de Higiene oral, pois a prática clínica no curso de Mestrado Integrado em Medicina Dentária só se inicia no 4.º ano. No caso do curso de Medicina Dentária, destacam-se as disciplinas de Medicina Dentária Preventiva e de Biologia Oral, vocacionadas para a prevenção em saúde oral e para a etiologia das doenças orais. No curso de Higiene oral toda a formação académica está focada na prevenção das doenças orais o que pode explicar que estes estudantes apresentem atitudes e comportamentos mais positivos. Por último, no curso de Prótese Dentária, na área da prevenção, existe apenas a disciplina de Saúde Pública, não sendo esta específica para a saúde oral. Estas dissemelhanças curriculares entre os três cursos podem explicar as diferenças encontradas.

Foram os estudantes do curso de Higiene Oral que apresentaram melhores resultados ao nível dos indicadores de saúde oral, verificando-se diferenças mais notórias no ID-S e no IPC modificado. Nos estudos de Albuquerque19 e Fortes e colaboradores24 apenas se encontraram diferenças no CPOD, tendo o curso de Prótese Dentária apresentado piores resultados.

Apesar de terem melhores valores de HUDBI, melhor saúde gengival e melhor nível de higiene oral, os estudantes de curso de Higiene Oral foram aqueles que referiram consumir mais frequentemente alimentos açucarados. Este resultado poderá parecer contraditório, no entanto o HUDBI não inclui nenhum item referente a comportamentos alimentares, somente de higiene oral. Por outro lado, a literatura evidencia que apesar do consumo de açúcar ter aumentado consideravelmente nas últimas décadas, a cárie demonstrou uma tendência para a diminuição, na maioria dos países desenvolvidos,42 - 44 demonstrando um menor peso dos comportamentos alimentares na etiologia desta doença. Esta perda de importância da dieta pode ser explicada pelo uso de fluoretos e pela melhoria dos cuidados de higiene oral. O facto destes aspectos serem transmitidos aos estudantes durante a sua formação académica, pode, em parte, explicar os resultados.

Seria interessante realizar uma análise emparelhada entre os participantes do presente estudo e os do estudo de Fortes e colaboradores,24 já que muitos participaram em ambos os estudos, em momentos diferentes do seu percurso académico. Esta comparação longitudinal permitiria retirar conclusões mais concretas sobre a influência do percurso e formação académica distinta nos indicadores de saúde oral e nos valores do HUDBI.

Conclusões

A escovagem dentária bidiária verificou-se bem implementada entre os estudantes da FMDUL. No entanto, os comportamentos alimentares e os relativos à utilização diária de fio dentário ficaram aquém do desejável, verificando-se a necessidade de reforçar estes tópicos no currículo académico, fortalecendo não só o conhecimento sobre o assunto mas, em especial, as crenças fundamentais para que a mudança do comportamento ocorra. Os valores de HUDBI da população estudada foram bastante positivos e os indicadores de saúde oral foram, de um modo geral, também muito satisfatórios. Apesar de tudo, a prevalência de cárie revelou-se elevada. Comparando os três cursos da FMDUL, verificou-se que os estudantes de Prótese Dentária têm, de um modo geral, comportamentos, atitudes e saúde oral menos satisfatórios que os estudantes dos cursos de Higiene Oral e de Medicina Dentária.

 

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*Autor correspondente:

Sónia Mendes

Correio eletrónico: sonia.mendes@fmd.ulisboa.pt

 

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência está na posse deste documento.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

 

Historial do artigo:

Recebido a 11 de novembro de 2018

Aceite a 4 de fevereiro de 2019

On-line a 21 de fevereiro de 2019