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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

Revista Portuguesa de Estomatologia Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial | 2022 | 63 (2) | 76-84




Investigação Original

Literacia em saúde de estudantes universitários portugueses de cursos da área da saúde oral

Health literacy of Portuguese university students from oral-health-related courses


a Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Unidade de Investigação e Ciências Orais e Biomédicas (UICOB), Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Sónia Mendes - sonia.mendes@fmd.ulisboa.pt

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Volume - 63
Issue - 2
Investigação Original
Pages - 76-84
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Received on 03/10/2021
Accepted on 22/05/2022
Available Online on 21/06/2022


10.24873/j.rpemd.2022.06.866

Investigação Original

 

Literacia em saúde de estudantes universitários portugueses de cursos da área da saúde oral

Health literacy of Portuguese university students from oral-health-related courses

 

Mónica Vasconcelos1 0000-0002-1278-1583

Henrique Luís2 0000-0002-1092-7825

Sónia Mendes2,* 0000-0001-8831-5872

 

1 Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

2 Unidade de Investigação e Ciências Orais e Biomédicas (UICOB), Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

 

*Correspondência:

 

Historial do artigo:

Recebido a 3 de outubro de 2021

Aceite a 22 de maio de 2022

On-line a 21 de junho de 2022

 

Resumo

Objetivos: Estudar a literacia em saúde dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa e relacioná-la com os seus dados demográficos, comportamentos, autoperceção e estado de saúde oral.

Métodos: Foi realizado um estudo observacional, analítico e transversal. A recolha dos dados incluiu um questionário, uma observação intraoral e uma entrevista. O questionário recolheu informação sobre os dados demográficos e comportamentos dos estudantes. Na entrevista foi aplicada a versão portuguesa do instrumento Newest Sign Vital (NSV-Pt) para o estudo da literacia em saúde. A observação intraoral incluiu o diagnóstico de cárie segundo os critérios do Internacional Caries Detection and Assessment System (ICDAS II). A análise estatística incluiu a estatística descritiva e foram utilizados os testes de qui-quadrado, Mann Whitney e Kruskal Wallis com um nível de significância de 5%.

Resultados: A amostra foi constituída por 92 estudantes. A média de respostas corretas ao NSV-Pt foi 4,87 (dp=1,15). Nenhum estudante teve elevada probabilidade de literacia em saúde limitada e 87,6% dos estudantes revelaram ter uma literacia em saúde adequada. Verificou-se uma associação estatisticamente significativa entre a literacia em saúde e a frequência de visita à consulta de saúde oral (p=0,04).

Conclusões: A maioria dos estudantes apresentaram uma literacia em Saúde adequada. Os estudantes que frequentaram mais frequentemente o profissional de saúde oral apresentaram piores níveis de literacia em saúde.

Palavras-chave: Comportamentos de saúde; Estudantes; Literacia em Saúde; Saúde Oral

 

Abstract

Objectives: To study the health literacy of 3rd-year students at the Faculty of Dental Medicine of the University of Lisbon and relate it to their demographic data, behaviors, self-perception, and oral-health status.

Methods: This cross-sectional study included a questionnaire, an intraoral examination, and an interview. The questionnaire collected information about the demographics and behaviors of the students. The intraoral examination included the caries diagnosis according to the criteria of the International Caries Detection and Assessment System (ICDAS II). The Portuguese version of the Newest Sign Vital instrument (NSV-Pt) was applied in the interview to study health literacy. Statistical analysis included descriptive statistics and the chi-square, Mann-Whitney, and Kruskal-Wallis tests (α=0.05).

Results: The sample consisted of 92 students. The mean of correct answers to the NSV-Pt was 4.87 (SD=1.15). No student had a high probability of limited health literacy, and 87.6% of the students showed adequate health literacy. There was a statistically significant association between health literacy and the frequency of visits to the oral-health consultation (p=0.04).

Conclusions: Most students had adequate health literacy. Students who visited the oralhealth professional more often had worse levels of health literacy.

Keywords: Health behaviors; Students; Health literacy; Oral health

 

Introdução

A Literacia em Saúde foi um termo introduzido na década de 1970 e a sua definição tem vindo a evoluir desde então, sendo a mais abrangente a desenvolvida em 2012 pelo European Health Literacy Consortium: “A Literacia em Saúde resulta da relação entre conhecimentos, motivação e competências individuais, necessários para aceder, compreender, avaliar e utilizar informação sobre saúde, de forma a tomar decisões sobre os cuidados, a promoção da saúde e a prevenção da doença, de modo a manter ou melhorar a qualidade de vida”.1 O conceito foi evoluindo de uma perspetiva mais individual para uma perspetiva complementar e integrativa da componente social, e tendo em consideração a capacitação do indivíduo para um processo de decisão informada e responsável das suas escolhas.2

A Literacia em Saúde é considerada um forte indicador e preditor da saúde, dos comportamentos e dos resultados de saúde de um indivíduo, bem como da prevenção da doença dos indivíduos.1, 2 Níveis mais baixos de Literacia em Saúde estão associados a piores resultados de saúde e a maiores custos associados à saúde.3 - 5 Os indivíduos com baixos níveis de Literacia em Saúde são mais propensos a sofrer hospitalização, a usar serviços de emergência,6 e a uma baixa adesão aos fármacos prescritos.7 Está, também, descrito que, com níveis mais baixos de Literacia em Saúde, existe uma menor aceitação e utilização de programas de prevenção, rastreio e imunização, bem como a existência de uma sensação de estigma ou vergonha durante as consultas.6 Uma baixa Literacia em Saúde tem sido associada à diminuição da capacidade de compreensão da informação sobre os alimentos ou fármacos, na promoção de hábitos de vida saudável e na adoção de medidas preventivas e numa maior dificuldade na comunicação médico-doente.2 O contrário também tem sido demonstrado, sendo uma maior Literacia em Saúde associada à aquisição de novos conhecimentos, atitudes mais positivas, maior autoeficácia e comportamentos de saúde positivos.1, 8

A Literacia em Saúde também se relaciona com a Saúde Oral, os indivíduos com baixa Literacia em Saúde têm dificuldade em compreender as instruções de saúde ou a importância dos procedimentos médico-dentários preventivos.9 Também se verifica que estes indivíduos apresentam um menor uso de serviços preventivos,3, 10 uma maior probabilidade de diagnósticos tardios de condições médico-dentárias2 com uma maior probabilidade de ter consultas de emergência e/ou dor3 e, consequentemente, maiores custos com os serviços médico-dentários.3, 10 Por outro lado, estes indivíduos apresentam uma baixa adesão às instruções médicas,10 uma menor competência de autocuidados7, 10 e piores autorrelatos de saúde oral.7

Estão descritos vários fatores que afetam o nível de Literacia em Saúde. Indivíduos com um menor nível de escolaridade,5 provenientes de minorias étnicas,11 do sexo masculino,12 de meios socioeconomicamente desfavorecidos,3, 13 mais velhos1 ou com menor nível de instrução dos pais14 tendem a demonstrar níveis de Literacia em Saúde mais baixos.

Com a crescente importância dada à Literacia em Saúde têm surgido vários instrumentos para a sua medição. Podem destacar-se o Rapid Estimate of Adult Literacy in Medicine (REALM),15 Test of Funcional Health Literacy in Adults (TOFHLA),16 o The Short Assessment of Health Literacy (SAHL), 17 o European Health Literacy Survey Questionnaire (HLS-EU-Q), 18 e o The Newest Vital Sign (NVS).19 O NVS, foi desenvolvido em 2005 por Barry Weiss et al.,19 em inglês e espanhol, tendo sido validado para a população portuguesa (NVS-Pt) por Luís Luís,20 em 2010.

O NVS-pt tem sido um instrumento amplamente utilizado para o estudo da Literacia em Saúde pois é um instrumento fácil e rápido de usar. A Literacia em Saúde é um indicador de saúde importante e bastante estudado em várias populações, incluindo nos estudantes universitários.21 - 23 Este indicador de saúde afeta todas as vertentes da prestação de cuidados de saúde, pelo que qualquer pessoa que interaja com os doentes ou com as suas famílias, como os profissionais de saúde, deve possuir competências de Literacia em Saúde. Estas aptidões podem facilitar a comunicação e a transmissão de informação, o que poderá resultar também numa melhoria da compreensão dos pacientes.24 Ao reconhecer as diferentes dimensões da Literacia em Saúde, os profissionais de saúde podem ser melhores comunicadores e transmitir a informação de saúde de uma forma adaptada aos pacientes, envolvendo mais eficazmente os pacientes nos processos de cuidados de saúde, promovendo a utilização dos conhecimentos e competências para serem pacientes mais ativos nas consultas e tomarem decisões sobre a sua própria saúde.25 Tendo em consideração a importância da Literacia em Saúde para a saúde geral e para a saúde oral e sendo escassos os estudos sobre a Literacia em Saúde realizados nos estudantes universitários portugueses dos cursos relacionados com a saúde oral, pretendeu-se contribuir para o estudo desta temática. Assim, este estudo pretende estudar a Literacia em Saúde dos estudantes do 3.º ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), no final do seu 1.º ciclo de estudos (correspondente à licenciatura). Os seus objetivos são: 1) Conhecer a Literacia em Saúde (NVS-Pt); 2) Descrever os comportamentos relacionados com a saúde oral e de consumo de tabaco e álcool; 3) Relacionar a Literacia em Saúde com as variáveis sociodemográficas, os comportamentos, a auto perceção da saúde e a presença de cárie dentária.

Material e métodos

Foi realizado um estudo observacional e transversal, sendo a população-alvo do estudo constituída pelos estudantes que frequentaram o ano letivo 2020/2021, do 3.º ano dos cursos de Higiene Oral, Medicina Dentária e Prótese Dentária da FMDUL e que cumprissem os critérios de inclusão (n=119). Foram incluídos todos os estudantes que não tivessem formação superior prévia à do atual curso frequentado, que participassem voluntariamente no estudo e que assinassem o consentimento livre, informado e esclarecido. Todos os estudantes apresentavam competência da língua portuguesa. O estudo foi aprovado pela direção e pela Comissão de Ética para a Saúde da FMDUL.

A recolha de dados foi realizada no 2.º semestre do ano letivo 2020/2021, de modo a ser o mais próximo possível do término do 1.º ciclo de estudos. Foram realizados os seguintes procedimentos: aplicação de um questionário, realização de entrevista, para aplicar o NVS-Pt, e uma observação intraoral.

O questionário foi autopreenchido e recolheu informação sociodemográfica, sobre a auto perceção da saúde e da saúde oral, sobre os comportamentos de saúde oral e de consumo de tabaco e álcool, sendo distribuído presencialmente nas salas de aula, com autorização prévia dos coordenadores dos cursos e dos docentes responsáveis. Após a aplicação do questionário foi aplicado, por entrevista, o instrumento The Newest Vital Sign - Português (NVS-Pt),20 que recolheu informação sobre a Literacia em Saúde. Neste instrumento os participantes respondem a perguntas de compreensão sobre um rótulo nutricional de um gelado. A escala é composta por seis itens que resultam num somatório, com um valor máximo de 6, correspondente a todas as respostas corretas. A escala permite também classificar os indivíduos em 3 categorias: “50% ou mais de probabilidade de literacia limitada” (uma ou menos respostas certas), “possibilidade de literacia limitada” (2 a 3 respostas corretas) e “literacia adequada” (quatro ou mais respostas corretas).19 A entrevista para aplicar o NVS-Pt foi realizada por videoconferência, de modo a reduzir o tempo de contacto e o risco de infeção por COVID-19. Por fim, foi também realizada uma observação intraoral numa subamostra, a cerca de 40% dos participantes (n=35), sendo estes selecionados aleatoriamente e estratificados proporcionalmente ao curso frequentado. Este procedimento foi realizado nas instalações da FMDUL, numa sala disponível (contexto comunitário), com iluminação artificial da sala e uma luz do tipo LED (frontal), tendo em consideração a privacidade do participante e todas as normas de prevenção da infeção cruzada.

A observação intraoral incluiu o registo de cárie dentária de acordo com os critérios International Caries Detection and Assessment System (ICDAS II),26 e foi realizado por uma examinadora calibrada. Dado as condições de observação comunitária, os códigos 1 e 2 (correspondentes às lesões iniciais) foram designados por “A”.27 Foi calculada a prevalência e gravidade de cárie (índice CPOD) de duas maneiras, uma primeira tendo em consideração todos os códigos de lesões de cárie do ICDAS II (CA-6POD) e que inclui o registo de lesões iniciais de cárie. A segunda tendo em consideração apenas os códigos do 3 ao 6 (C3-6POD), que não incluem as lesões iniciais.28

A análise estatística foi efetuada no programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 27. Foi realizada a estatística descritiva e utilizados os testes de Mann-Whitney, Kruskal-Wallis e Qui-quadrado, com nível de significância de 5%.

Resultados

A amostra foi constituída por 92 estudantes com uma idade média de 21,5 anos (dp=1,7): A taxa de participação foi de 77,3%. Embora todos os participantes tenham respondido ao questionário (n=92), só foi possível realizar a entrevista do NVS-Pt a 89 participantes e, tal como já referido, a observação oral foi realizada numa subamostra de 35 estudantes.

A média de respostas corretas do NVS-Pt foi 4,87 (dp=1,15), sendo o mínimo 2 e o máximo 6 respostas corretas. Verificou-se que 38,2% dos participantes responderam corretamente a todas as 6 questões (Figura 1). A questão com menor taxa de respostas corretas foi a questão 4, com 58,4% de respostas corretas. Por sua vez, a questão com maior taxa de respostas corretas foi a questão 5 (97,8%), logo seguida da questão 6 (97,7%) (Tabela 1).

 

 

Figura 1. Frequência do número de respostas corretas do NVS

 

 

Figura 2. Frequência das categorias da Literacia em Saúde

 

No que respeita ao valor de literacia por categorias, verificou-se que a maior parte dos estudantes apresentou uma Literacia em Saúde adequada (87,6%), sendo que nenhum obteve uma elevada probabilidade de ter uma literacia limitada (Figura 2).

A maioria dos estudantes escovava os dentes duas ou mais vezes por dia (92,4%) com dentífrico fluoretado (91,3%). No entanto, apenas 37% dos estudantes usava fio dentário diariamente.

Perto de três quartos dos estudantes consumia alimentos açucarados todos os dias ou várias vezes por semana (71,7%). O consumo de tabaco não se verificou muito frequente, com 72,8% dos estudantes a indicarem nunca terem fumado.

Perto de metade dos participantes referiram que consumiam álcool raramente. Quanto à auto perceção da sua saúde oral, a grande maioria dos estudantes (93,5%) classificou a sua saúde oral como “Boa” ou “Muito Boa” (Tabela 2).

Considerando os critérios do ICDAS II incluindo as lesões iniciais (CA-6POD) verificou-se que 88,6% dos estudantes tinham pelo menos uma lesão de cárie dentária. A prevalência diminuiu quando apenas foram consideradas as lesões de cárie com cavidade (C3-6POD) correspondendo a 68,6%. Relativamente à presença de cárie não tratada (C3-6), verificou-se que a maioria dos estudantes (62,9%) não apresentava lesões de cárie que requeressem tratamento dentário restaurador ou cirúrgico. A média do CA-6POD foi 7,74 (dp=5,5) e a do C3-6POD foi 2,54 (dp=2,73).

Na Tabela 3 apresenta-se a análise da relação da Literacia em Saúde e os vários fatores. Apenas foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre o somatório do NVS-PT e a “frequência de visita ao profissional de saúde oral” (p=0,04). Os estudantes com menor nível de Literacia em Saúde referiram ter ido mais frequentemente a um profissional de saúde oral. Embora não tenham sido verificadas mais associações significativas, existiram valores de p próximos do nível de decisão estatística. Assim, verificou-se uma tendência para que os estudantes que escovavam os dentes com dentífrico fluoretado apresentassem maiores valores do NVS-PT (p=0,09), que correspondem a uma melhor Literacia em Saúde.

Também os estudantes com “Literacia adequada” apresentaram uma tendência para consumir tabaco com menos frequência (p=0,07) e apresentar menos lesões de cárie não tratada (C3-6) (p=0,06).

 

Tabela 1. Frequência de respostas corretas por questão do NVS-Pt.

 

Tabela 2. Distribuição da amostra por características sociodemográficas, comportamentos e auto perceção da saúde oral.

 

Discussão

Os estudantes do 3.º ano da FMDUL apresentaram resultados de Literacia em Saúde bastante positivos, com a maior parte a apresentar uma Literacia em Saúde adequada e não havendo nenhum a revelar uma elevada probabilidade de ter Literacia em Saúde limitada.

Comparativamente ao estudo de Marques et al.23 realizado na mesma população há dois anos quando os estudantes se encontravam no início do seu percurso académico (1.º ano), pode verificar-se que, de modo geral, os valores de Literacia em saúde melhoraram, passando a não existir nenhum estudante com “elevada probabilidade de literacia limitada”, aumentando a percentagem de estudantes com Literacia adequada (que nos estudantes do 1.º ano tinha sido de 71,1%) e aumentando também a média de respostas corretas ao NVS-Pt (de 4,19 para 4,87). Os resultados sugerem uma melhoria da Literacia em Saúde ao longo do 1.º ciclo de estudos na FMDUL, que se pode refletir diretamente nos comportamentos e em outros indicadores de saúde.1

Os valores de Literacia em Saúde encontrados foram superiores aos de outros estudos realizados em populações universitárias.21, 22 Os bons resultados do presente estudo revelam que os estudantes da FMDUL apresentam uma maior Literacia em Saúde. Os estudantes dos cursos de saúde e nomeadamente da área da saúde oral são descritos como tendo uma Literacia superior aos de outros cursos universitários.22 Quando comparados com a população portuguesa em geral os resultados verificam-se também resultados bastante diferentes. Os valores de Literacia em Saúde do presente estudo são muito superiores aos do estudo de Paiva et al.29 na população portuguesa, no qual apenas 27,1% dos participantes apresentava Literacia adequada.

As características específicas dos estudantes universitários e a diferença de idade entre as populações dos dois estudos podem explicar estas diferenças, pois tanto uma maior instrução, como a idade mais jovem são fatores associados positivamente a uma melhor Literacia em Saúde. 3, 5, 10 - 13, 23

No estudo da Literacia em Saúde com a utilização do instrumento NSV-PT, as questões com maior percentagem de respostas corretas foram a “6” (97,7%) e a “5” (97,8%). Estes resultados foram semelhantes aos encontrados por Marques et al.23 e Cruvinel et al.30. Este fator pode dever-se ao facto de ser a única questão que apresenta uma resposta dicotómica, sem ser necessário fazer cálculos. Por sua vez, a pergunta com maior percentagem de respostas incorretas foi a número “4” (41,6% incorretas), resultados semelhantes aos obtidos por Marques et al.29. No entanto, outros estudos apontaram para a questão “1”31 e questão “3”32 como sendo as com maior número de respostas incorretas. Este instrumento dá grande ênfase à capacidade de análise de números e conceitos matemáticos21. É, deste modo, interessante verificar que embora os estudos apontem para diferentes respostas como a mais incorreta, todas elas têm em comum estarem relacionadas com a numeracia.

Relativamente aos comportamentos, os estudantes apresentaram uma boa implementação da escovagem bidiária com dentífrico fluoretado. Estes resultados vão ao encontro de outros estudos também realizados na mesma população.32, 33 Os resultados relativos à frequência da visita a consultas de saúde oral também se revelaram positivos com a maioria a visitar o profissional de saúde oral pelo menos duas vezes por ano.

Comparativamente com a população de portuguesa,34 verifica-se que estes resultados são francamente mais positivos, demonstrando que a população-alvo do estudo tem um maior acesso a informação, mais literacia e, mais concretamente, o facto de ser uma população cuja área de estudos é a própria saúde oral, o que facilita ainda mais o acesso à informação e aos serviços preventivos e curativos de saúde oral.

Contudo, verificaram-se outros comportamentos menos positivos, nomeadamente o uso diário de fio dentário e o consumo frequente de alimentos ou bebidas açucarados. Estes comportamentos menos positivos foram também encontrados em outros estudos realizados na mesma população.32, 33 É importante fazer um reforço destes tópicos nas estratégias de promoção da saúde oral aplicadas a esta população para a melhoria destes indicadores.

 

Tabela 3. Relação entre Literacia em Saúde e os fatores sociodemográficos, comportamentais e cárie dentária.

* Teste Mann-Whitney U; ** Teste Kruskal-Wallis; *** Teste qui-quadrado

 

Refletindo, de um modo geral, os bons comportamentos e literacia, a grande maioria dos estudantes do 3.º ano da FMDUL auto percecionaram a sua saúde oral como “boa” ou “muito boa”. Os valores encontrados, embora ligeiramente superiores, foram semelhantes aos encontrados por Marques et al.23, na mesma população há dois anos atrás. Embora no presente estudo essa associação não seja encontrada, está descrito que os níveis mais baixos de Literacia em Saúde podem relacionar-se com uma pior perceção da saúde.1, 10

Na subamostra na qual se efetuaram as observações intraorais verificou-se que existia pelo menos um dente cariado, perdido ou obturado em 88,6% dos estudantes. Esta prevalência diminuiu consideravelmente quando considerada apenas a cárie nos níveis mais graves (68,6%), refletindo uma quantidade significativa de lesões de cárie iniciais, sendo muitas delas inativas e sem grande significado clínico. Verificou-se, ainda, que 37,1% dos estudantes observados apresentavam pelo menos uma lesão de cárie não tratadas (C3-6), o que, comparativamente aos jovens portugueses (65,6%),34 é uma percentagem bastante inferior. Contudo, alguns dos participantes observados referiram informalmente alguma dificuldade no último ano em frequentar a consulta, o que pode sugerir que a condição pandémica, verificada no momento do estudo, possa ter interferido negativamente na saúde oral.

No presente estudo, encontraram-se poucos fatores associados à Literacia em Saúde. As poucas diferenças encontradas acabam por refletir a distribuição da Literacia para valores mais altos refletindo uma população com características específicas e muito diferente da população em geral. No estudo de Guo et al.12, os melhores níveis de Literacia em Saúde relacionavam-se com uma maior e regular procura de cuidados de saúde dentários. Também Mathew e Kabir35 verificaram uma correlação entre a Literacia em Saúde Oral e regularidade da visita ao dentista. No entanto, no presente estudo verificou-se o inverso, com os estudantes com melhores valores de Literacia em Saúde a frequentarem menos frequentemente o profissional de saúde oral, sendo esta a única relação estatisticamente significativa encontrada. Segundo Burns et al.6, indivíduos com menor nível de Literacia em Saúde utilizam mais serviços de emergência. Sabendo-se que 31,6% da população portuguesa nunca visitou uma consulta de medicina dentária ou só o fizeram em caso de urgência,36 este tipo de procura pode justificar os resultados do presente estudo, refletindo uma procura dos serviços por necessidade e não por rotina ou motivos preventivos. Deste modo, é importante, não só na população em estudo, mas também na população em geral, tornar mais generalizada a visita ao profissional de saúde oral por rotina e prevenção e não apenas por necessidade de tratamento.

No entanto, existiram alguns comportamentos com um valor de p próximo do valor de decisão. Assim, o uso de dentífrico fluoretado indicou uma tendência para que os estudantes que utilizavam dentífrico fluoretado apresentassem melhores níveis de Literacia em Saúde, tal como verificado no estudo de  Cepova et al. 37. Verificou-se também uma tendência para que os estudantes que não fumavam apresentassem maior percentagem de Literacia em Saúde adequada. A associação entre níveis mais baixos de Literacia em Saúde e ser-se fumador já foi descrita em outros estudos.38, 39

Por fim, no que respeita à presença de cárie, não se verificou associação estatisticamente significativa entre presença de cárie (CA-6POD), presença de cárie na dentina (C3-6POD) e presença de cárie não tratada (C3-6). Contudo, os estudantes com presença de cárie não tratada tiveram uma tendência para ter uma pior Literacia em Saúde. Batista et al. encontraram esta associação num estudo realizado em 2017 na população brasileira adulta.3

A presente população apresenta características muito específicas o que podem justificar os bons comportamentos, a boa auto perceção da saúde oral, a alta percentagem de Literacia em Saúde adequada e as poucas relações encontradas no presente estudo. Contudo, existem tópicos, relacionados com os comportamentos, tal como a importância do uso de meios de higiene interproximal e o consumo de alimentos cariogénicos que poderão ser reforçados ao longo do 1.º ciclo de estudos de modo a melhorar os indicadores saúde oral desta população.

Seria interessante considerar a recolha de outras variáveis, como o motivo da consulta ao profissional de saúde e o tipo de álcool e tabaco que é consumido.

A Literacia em Saúde apresenta um papel fundamental na saúde das populações e dos indivíduos. É importante que ao longo da sua formação superior, todos os profissionais de saúde oral, mas em especial os que se relacionam diretamente com o doente, como os higienistas orais e os médicos dentistas, vão aprimorando a sua Literacia em Saúde, fomentando a sua capacitação e sua reflexão crítica. Kempster et al.40 defendem que se deve incentivar os estudantes a discutirem e refletirem sobre a Literacia em Saúde em atividades não diretamente relacionadas com a clínica, mas sim envolvendo comunidades e parceiros externos em pequenos programas de promoção da saúde. Esta melhoria e capacitação é importante para o envolvimento na promoção da sua própria saúde, mas também para a promoção da saúde e prevenção da doença dos seus pacientes e da comunidade.

Conclusões

A maioria dos estudantes apresentou uma Literacia em Saúde adequada. A escovagem com dentífrico fluoretado está bem implementada nos estudantes, mas a maioria não utiliza o fio dentário diariamente e consome com frequência alimentos cariogénicos. Uma pior Literacia em Saúde verificou-se associada a uma maior regularidade da visita ao profissional de saúde oral.

 

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*Autor correspondente:

Sónia Mendes

Correio eletrónico: sonia.mendes@fmd.ulisboa.pt

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos da comissão de investigação clínica e ética relevante e de acordo com os do Código de Ética da Associação Médica Mundial (Declaração de Helsínquia).

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca do acesso aos dados de pacientes e sua publicação.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência está na posse deste documento.

 

Declaração de contribuição dos autores - CRediT

Mónica Vasconcelos: Conceitualização, Metodologia, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Recursos, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição. Henrique

Luís: Conceitualização, Metodologia, Validação, Visualização, Redação - revisão e edição. Sónia Mendes: Conceitualização, Metodologia, Análise formal, Validação, Administração do projeto, Supervisão, Visualização, Redação - revisão e edição.

 

1646-2890/© 2022 Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária. Published by SPEMD.

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