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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

Revista Portuguesa de Estomatologia Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial | 2020 | 61 (1) | 38-44




Caso ClÍnico

Cisto teratoide com epitélios respiratório, gastrointestinal e apêndices dérmicos: coristoma em paciente lactente

Teratoid cyst with respiratory epithelium, gastrointestinal epithelium and dermal appendices: choristoma in a breastfed infant


a Programa de Pós-graduação em Ciências Odontológicas, área de concentração em Estomatologia e Patologia Oral, Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil
b Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilofacial, Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil
Glória Maria de França - gloriafracam@gmail.com

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Volume - 61
Issue - 1
Caso ClÍnico
Pages - 38-44
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Received on 19/10/2019
Accepted on 12/06/2020
Available Online on 20/07/2020


Caso Clnico

Cisto teratoide com epitlios respiratrio, gastrointestinal e apndices drmicos: coristoma em paciente lactente

Teratoid cyst with respiratory epithelium, gastrointestinal epithelium and dermal appendices: choristoma in a breastfed infant

Glria Maria deFranaa,*, Joaquim FelipeJniora, Weslay Rodrigues da Silvaa, Hugo CostaNetob, Germano De Lelis Bezerra Juniorb, Hbel Cavalcanti Galvoa

a Programa de Ps-graduao em Cincias Odontolgicas, rea de concentrao em Estomatologia e Patologia Oral, Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil.

b Programa de Residncia em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilofacial, Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil.

*Correspondence to:

http://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.07.697

Resumo

Os cistos teratides so hamartomas, que contm tecidos derivados do endoderma, mesoderme e ectoderma, relativamente raros na cavidade oral, onde so frequentemente encontrados na regio da linha mdia do assoalho bucal. Este estudo relata um caso de cistoteratoide assintomtico, localizado em regio sublingual, em paciente do sexo feminino lactente, com 1 ano de idade, com histrico de dificuldade de amamentao. A leso foi removida cirurgicamente e aps 2 anos de acompanhamento no foram observados sinais de recidivas. Aps a avaliao morfolgica, foi classificado como coristoma por conter epitlio gastrointestinal, epitlio respiratrio e anexos drmicos. Conclumos enfatizando a relevncia do correto diagnstico do cisto teratoide para o estabelecimento da conduta adequada, considerando as implicaes clnicas capazes de comprometer as funes de deglutio, mastigao e respirao do indivduoafetado.

Palavras-chave: Boca, Coristoma, Lactente,Teratoma

Abstract

Teratoid cysts arehamartomas, which contain tissues derived from the endoderm, mesoderm, and ectoderm, and are relatively rare in the oral cavity, where they are often found in the midline region of the oral floor. This study reports a case of an asymptomatic teratoid cyst located in a sublingual region, in a 1-year-old female infant with a history of breastfeeding difficulty. The lesion was surgically removed, and, after 2 years of follow-up, no signs of recurrence were observed. After morphological evaluation, it was classified as a choristoma due to containing gastrointestinal epithelium, respiratory epithelium, and dermal appendages. We emphasize the importance of a correct diagnosis of theteratoid cyst for the establishment of appropriate management, considering the clinical implications that can compromise the swallowing, chewing, and breathing functions of the affected individual.

Keywords: Mouth, Choristoma, Infant, Teratoma

Introduo

Os cistos teratoides so hamartomas que podem conter vrios tecidos derivados do endoderma, mesoderma e ectoderma.1 De acordo com a classificao de Meyer,2 os cistos teratides so cistos disontogenticos orais. De todos os cistos disontogenticos, cerca de 7% so encontrados na regio de cabea e pescoo, dos quais 25% deles visto no assoalho bucal.3

Os cistos disontogenticos representam menos de 0,01% de todos os cistos orais. Entre eles, os cistos teratoides so os de apresentao clnica mais incomum. A avaliao histopatolgica demonstra que este cisto pode ser revestido por tecido gstrico, intestinal, epitlio respiratrio, escamoso, ciliado ou at conter estruturas pancreticas. Os cistos teratoides que contm epitlio respiratrio e gastrointestinal foram classicamente como coristomas (massas tumorais de clulas com organizaoarquitetural normal situadas em uma localizao anormal).4

O diagnstico diferencial para esse cisto, devido a sua localizao, inclui arnula, sialolitase dos ductos da glndula submandibular, cisto do ductotireoglosso, higroma cstico, cisto da fenda braquial, celulite do assoalho de boca, schwannoma e lipoma. Os principais diagnsticos diferenciais so o cisto dermide, que se distingue histologicamente do cistoepidermide apenas pela presena de anexos normais oudismrficos dentro de suas paredes, geralmente glndulas sebceas ou folculos capilares abortivos. O cisto teratide considerado quanto presena de outros elementos, como msculo ou osso.5

O diagnstico definitivo e a indicao do tratamento adequado requerem o uso de exames de imagem como ultrassonografia (US), tomografia computadorizada (TC), Imagem por Ressonncia (RM) e exame histopatolgico.6 A leso geralmente tratada por exciso cirrgica conservadora,7 utilizando abordagem intraoral ou extraoral.8

O presente relato, tem o objetivo de descrever um achado incomum na literatura em paciente lactente, abordar aspectos referentes a sua origem, caractersticas clnicas e conduta teraputica para o cistoteratoide em assoalho bucal.

Caso clnico

Paciente do sexo feminino, branca, 1 ano de idade, compareceu ao servio de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial apresentando leve assimetria em hemiface direita ao exameextraoral (Figura 1) e pelo exame clnicointraoral, a paciente apresentava leso congnita, assintomtica, com histrico de crescimento exoftico, localizada em regio sublingual, de colorao amarelada, consistncia amolecida, implantao sssil, medindo cerca de 5x4 cm (Figura 2). A me da criana referiu dificuldades de suco e respirao durante a amamentao, assim como preocupao com a invasividade local da leso. A paciente estava se alimentando por meio de sonda desde o nascimento. Foi realizada a tomografia computadorizada de face com janela para partes moles para determinar e delimitar a extenso da leso e o comprometimento das vias areas. A leso mostrou‑sehipodensa compatvel com leso cstica no corte axial (Figura 3) e sem comprometimento de vias areas pelo corte sagital (Figura 4).

Alm disso, foi realizado puno aspirativa que evidenciou contedo amarelado e biopsia incisional, que revelou leso cstica, bem delimitada, apresentando apndices drmicos.

O epitlio de revestimento no apresentava atipia ou caractersticas de malignidade. A paciente foi submetida a anestesia geral em ambiente hospitalar, a qual foi feita a inciso com eletrocautrio em regio sublingual, disseco romba dos planos musculares (Figura 5) eexrese completa da leso (Figura 6), sem margens de segurana, por ser uma leso cstica, bem delimitada e benigna. A pea cirrgica foi enviada para anlise anatomopatolgica (Figura 7). No momento damacroscopia, pde‑se observar uma leso cstica, com forma e superfcie regulares (Figura 8), que continha um material liquefeito em seu interior (Figura 9). O exame histopatolgico corado com hematoxilina e eosina e visualizado em microscopia de luz revelou fragmento de leso cstica benigna do desenvolvimento contendo epitlios pavimentoso estratificado ortoceratinizado com apndices da pele, tais como, folculos pilosos e glndulas sebceas; epitlio cilndrico ciliado semelhante ao epitlio do sistema respiratrio; epitlio colunar alto comprojees em forma de microvilosidades lembrando estruturas do endoderma, tais como o revestimento gastrointestinal e elementos do tecido conjuntivo, tais como, msculos e vasos sanguneos (Figura 10 a‑f). A colorao histoqumica pelo cido peridico de Schiff (PAS) foi realizada com marcao positiva nas clulas caliciformes do trato gastrointestinal (Figura 10 g‑h).

Em virtude dos achados morfolgicos supracitados, foi confirmado a hiptese diagnstica de cisto teratoide. A paciente encontra‑se h 2 anos sob acompanhamento e o controle ps operatrio foi essencialmente clnico (Figura 11) uma vez que a leso era encapsulada e foi totalmente removida durante a cirurgia para a enucleao. No foi repetido o exame de tomografia computadorizada para no expor a paciente a radiao.

Discusso e concluses

O termo cisto teratoide foi usado pela primeira vez por Meyer et al.,2 na sua classificao, de 1955, de cistos disontogenticos de regio cervicofacial, com base no tipo de camadas germinativas includas na parede cstica, definindo trs tipos histolgicos distintos:epidermide (simples), dermide (composto) eteratoide (complexo). Os cistos teratides so revestidos por epitlio que varia de escamoso ceratinizado a epitlio respiratrio pseudoestratificado colunar com apndices drmicos na parede do tecido conjuntivo junto com derivados das trs camadas germinativas (ectoderma,mesoderma e endoderme).2 No presente relato, foi visualizada a presena dos epitlios gastrointestinal e respiratrio, justificando a denominao coristomas, to bem como a presena dos apndices drmicos.

Com relao etiologia dos cistos dermides e teratides em assoalho bucal, a teoria mais aceite um possvel sequestro de tecidoectodrmico em linha mdia no momento da fuso do primeiro arco (mandibular) e segundo arco braquial (hiide), 7, 911 Desta forma, o presente caso est relacionado a teoria congnita que ocorreu devido ao aprisionamento das clulas dos trs folhetos embrionrios.

O principal diagnstico diferencial para o caso apresentado foi de cisto do ducto tireoglosso, uma vez que este cisto se desenvolve abaixo do osso hiide e so mais visveis no pescoo do que no assoalho bucal.12

Clinicamente, so assintomticos, mas seu lento aumento pode causar obstruo com consequente displasia, disfonia e dispneia As leses mais profundas entre os msculosgenio‑hiideo emilo‑hiideo produzem um aumento de volume no pescoo, dando origem aparncia de queixo duplo.7 Embora, a paciente sob cuidados da instituio fosse assintomtica, a me relata dificuldades de suco, deglutio e respirao durante a amamentao da filha devido ao aumento de volume em assoalho e, este foi o principal motivo pelo qual optou‑se pela sua remoo. Aps a cirurgia a paciente apresentou significativa melhora em sua deglutio.

A paciente no realizou exames de ressonncia magntica e ecografia porque apenas a tomografia computadorizada era o exame que tnhamos acesso. Em virtude disso, a paciente foi submetida a tomografia computadorizada usando a janela para partes moles para avaliao das dimenses da leso. O laudo tomogrfico foi de leso hipodensa bem delimitada, sugerindo tratar‑se de leso cstica e detalhava as distncias em relao a glndula sublingual e nervos da regio. A tomografia computadorizada uma ferramenta de diagnstico til descrita na literatura e esse recurso tambm pode ser utilizado para aferir as dimenses da leso.11

O tratamento compreende exciso cirrgica, as leses podem ser acedidas por viaintraoral ou extraoral dependendo do tamanho e localizao, leses pequenas costumam ser removidas por acesso intraoral.7 Foi realizado na paciente puno aspirativa, a qual evidenciou contedo amarelado, e biopsia incisional, a mesma foi hospitalizada devido idade e optou‑se por essa estratgia em virtude da maior segurana na manipulao dos tecidos moles pelo cirurgio. A leso foi tratada por meio de exrese completa por via intraoral sem a incluso de margens de segurana por se tratar de uma leso cstica, com bom prognstico, indolente e sem potencial de recidivas e malignizao.

Recorrncia e transformao maligna so incomuns, no entanto, a recidiva pode acontecer caso o revestimento do cisto no seja completamente removido.13, 14 No caso em questo, a leso foi completamente removida, no apresentando caractersticas de malignidade e encontra‑se h 2 anos sem recidiva da leso.

Na macroscopia, observa‑se que o cisto encapsulado e a cavidade cstica contm ceratina. O lmen cstico pode conter material purulento, caseoso, sebceo, presena de pelos, unhas e glbulos de gordura.7 No caso em questo, constatou‑se a presena de material liquefeito, caseoso, branco‑amarelado, semelhante a ceratina, no interior da cavidade cstica.

Histologicamente, os cistos teratides so caracterizados por apresentarem uma cavidade cstica revestida por epitlio que pode variar entre escamoso, gstrico, intestinal, respiratrio, ciliado e apndices drmicos. Pode conter tambm tecido sseo e muscular, alm da cpsula fibrosa. Essas caractersticas histolgicas so decorrentes dos folhetos derivados do endoderma, mesoderma e ectoderma.4,15 A paciente em questo apresentou leso com caractersticas histolgicas compatveis com o cisto teratide.

A colorao histoqumica pelo PAS foi realizada para identificar clulas caliciformes do trato gastrointestinal que no foram inicialmente identificadas pela colorao em H&E. Uma vez que as clulas da mucosa intestinal contm reservas deglicosaminoglicanos (carboidratos) que demonstra reao pelo PAS.16 A recomendao do uso do PAS ou do AlcianBlue no pH 2.5 para identificao das clulas caliciformes do trato gastrointestinal apresenta controvrsias na literatura, visto que a maioria destas clulas so facilmente identificveis na colorao H&E de rotina.16

Conclumos enfatizando a relevncia do correto diagnstico do cisto teratoide para o estabelecimento da conduta adequada, considerando as implicaes clnicas capazes de comprometer as funes de suco, deglutio e respirao do indivduo afetado.

Referncias

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*Autor correspondente:

Glria Maria de Frana

Correio eletrnico: gloriafracam@gmail.com

Responsabilidades ticas

Proteo de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigao no se realizaram experincias em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicao dos dados de pacientes.

Direito privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondncia est na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram no haver conflito de interesses.

Historial do artigo:

Recebido a 11 de outubro de 2019

Aceite a 12 de junho de 2020

On-line a 20 dejulho de 2020