Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
SPEMD | 2019 | 60 (4) | 169-174
Investigação Original
Cirurgia de canino maxilar incluso – O papel dos meios auxiliares imagiológicos e da experiência do operador
Surgery of impacted maxillary canine – The role of radiographic images and the dentist’s experience
a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, Porto, Portugal
Maria Luís Lacerda - m4ry.lacerda@gmail.com
Article Info
Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac
Volume - 60
Issue - 4
Investigação Original
Pages - 169-174
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Received on 13/12/2018
Accepted on 06/12/2019
Available Online on 03/01/2019
Keywords
Investigação Original
Cirurgia de canino maxilar incluso O papel dos meios auxiliares imagiológicos e da experiência do operador
Surgery of impacted maxillary canine The role of radiographic images and the dentists experience
Maria Luís Lacerda *, João Braga, José A. Pereira, Vítor Hugo Carvalho, António Felino
Faculdade de Medicina Dentaria da Universidade do Porto, Porto, Portugal
http://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.01.689
Resumo
Objetivos: Analisar a via de abordagem cirúrgica, no sentido vestíbulo-palatino, de caninos inclusos maxilares, comparando imagens bidimensionais com tridimensionais (gold standard). A taxa de abordagens corretas foi relacionada com a experiência e especialidade de médicos dentistas, tendo-se ainda avaliado a taxa de pedido de imagens tridimensionais para estudo destes casos.
Métodos: A amostra foi constituída por 80 médicos dentistas inscritos na Ordem dos Médicos Dentistas, que voluntariamente aceitaram responder a um questionário constituído por radiografias panorâmicas e telerradiografias de trinta caninos maxilares inclusos. Todos os casos apresentavam tomografia computorizada de feixe cónico (CBCT) analisada por dois cirurgiões orais, que definiram a abordagem cirúrgica mais exata (gold standard) no sentido vestíbulo-palatino para cada canino. Tal serviu para confirmar ou refutar as escolhas das abordagens feitas nos questionários.
Resultados: Não parece existir relação entre a taxa de abordagens corretas e a experiência, porém foi encontrada quanto à especialidade, com os cirurgiões orais a escolheram mais vezes a via de abordagem correta do que generalistas (p=0,034). Não foram encontradas diferenças entre as restantes especialidades (p>0,05). Existe associação entre a especialidade e o pedido de CBCT (p=0,008), sendo mais provável que cirurgiões peçam sempre.
Conclusão: Com base nos dados obtidos neste estudo verificou-se a existência de uma relação entre a especialidade do Medico Dentista (Cirurgia Oral), o número de abordagens cirúrgicas corretas de caninos maxilares inclusos e o pedido de exames complementares de diagnostico como o CBCT.
Palavras-chave: Cirurgia oral, Dente canino,Dente incluso, Dente não erupcionado,Maxila, Radiografia panorâmica, Tomografia Computorizada de Feixe Cónico
Abstract
Objectives: To analyze the surgical approach, in a vestibular-palatine direction, of impacted maxillary canines, by comparing two-dimensional and three-dimensional images (gold standard). The association between the rate of correct approaches and the experience and specialty of dentists was studied. The rate of three-dimensional images requests for the study of these cases was also evaluated.
Methods: The sample consisted of 80 dentists who voluntarily agreed to answer a questionnaire consisting of panoramic radiographs and cephalograms of thirty impacted maxillary canines. Two oral surgeons analyzed a cone-beam computed tomography (CBCT) of each case and defined the most accurate (gold standard) surgical approach, in the vestibular-palatine direction, for each canine. Their decision helped to confirm or refute the choices of approaches made in the questionnaires.
Results: There seems to be no relationship between the correct surgical approach rate and the experience of dentists, but there is one concerning specialty. Oral surgeons chose the correct approach more often than generalists (p=0.034). No differences were found among the remaining pairs of specialties (p>0.05). There is an association between the specialty and the CBCT request (p=0.008), and it is more likely that surgeons will always request CBCT.
Conclusions: Based on the data obtained in this study, there was a relationship between the specialty of the dentist (Oral Surgery), the correct surgical approach of maxillary impacted canines and the request of complementary diagnostic tests such as CBCT.
Keywords: Oral surgery, Canine tooth,Impacted tooth, Unerupted tooth, Maxilla, Panoramic radiography, Cone-Beam Computed Tomography
Introdução
Os caninos maxilares são os dentes mais propensos à inclusão logo após os terceiros molares e a sua abordagem requer um complexo conhecimento multidisciplinar. A etiopatogenia de caninos inclusos tem sido discutida pelo seu comprometimento estético, funcional, e ainda pelas abordagens terapêuticas que exigem uma íntima relação com a análise de meios imagiológicos, nomeadamente radiográficos.1
Estudos referem que para descrever a posição de um canino incluso e execução do plano de tratamento os médicos dentistas tendem a utilizar mais frequentemente métodos tradicionais bidimensionais, como as radiografias periapicais, panorâmicas, oclusais ou combinadas.1, 2 Apesar de poderem ser empregues, estas técnicas nem sempre permitem um diagnóstico preciso sobretudo pela sobreposição de estruturas anatómicas inerentes às imagens bidimensionais; a relação dos caninos com estruturas adjacentes só é precisa através da análise de imagens fornecidas por tomografia computorizada, pelas vantagens que oferecem os vários cortes nos três planos dimensionais. Apesar das claras vantagens destas últimas, em 2013, a American Association of Orthodontists (AAO) e a American Academy of Oral and Maxillofacial Radiology (AAOMR)3 referem que a tendência é os médicos dentistas é escolherem as técnicas radiográficas com as quais estão mais familiarizados e reforçam as normas para o uso de Tomografia Computorizada de Feixe Cónico (CBCT) em ortodontia. Tais normas apoiadas pelo projeto SEDENTEXCT4 requerem que cada exposição à radiação seja justificada clinicamente e que sejam aplicados procedimentos que minimizem a exposição à radiação e optimizem o benefício máximo do diagnóstico. Este princípio de radioprotecção é referido como ALARA tão baixo quanto razoavelmente possível para imagens de CBCT e rege as atuais orientações do Reino Unido e da Europa que sugerem que o CBCT pode ser apropriado no exame de caninos inclusos, em casos selecionados, onde as radiografias bidimensionais não fornecem informações adequadas para um correto diagnóstico e plano de tratamento.3
Mediante as discrepâncias na solicitação de meios imagiológicos auxiliares de diagnóstico entre médicos dentistas com diferentes áreas de atuação, são necessários estudos no sentido de estabelecer normas a aplicar e verificar em que medida as imagens 3D são vantajosas no diagnóstico e tratamento de caninos maxilares inclusos. Para facilitar em termos de terminologia, considerou-se ao longo da investigação o termo especialidade para cada área preferencial de atuação do Médico Dentista e foram utilizados os termos Ortodontistas e Cirurgiões orais sempre que nos referimos aos profissionais que atuam nessas áreas.
O presente trabalho teve como objetivo responder às seguintes questões: A) Objetivo Principal: 1) Estarão os médicos dentistas que não solicitam imagens tridimensionais a seleccionar uma correta via de abordagem cirúrgica, no sentido vestíbulo-palatino, nos casos de caninos maxilares inclusos?; 2) Profissionais mais experientes selecionam mais vezes a via de abordagem precisa?; B) Objetivos Secundários: 1) A experiência do operador e a especialidade influenciam o correto diagnóstico de posição do canino incluso maxilar?; 2) Cirurgiões orais pedem mais vezes CBCT do que Ortodontistas?
Materiais e métodos
Foram incluídos no estudo 30 casos de caninos inclusos maxilares, 20 do género feminino e 10 do género masculino, pertencentes a pacientes não sindrómicos, com idade mínima de 13 anos, de clínicas privadas e com radiografia panorâmica, telerradiografia de perfil e tomografia computorizada (TC) ou CBCT em formato digital. Todos foram codificados com numeração cardinal, de modo arbitrário, a fim de manter a privacidade dos pacientes.
Foi elaborado um questionário (Apêndice 1) na plataforma Google Forms com os 30 casos clínicos com referência do canino a analisar de acordo com a nomenclatura FDI (13 ou 23). Todos eles apresentavam radiografia panorâmica e telerradiografia.
O questionário foi divulgado de forma digital entre Novembro de 2017 e Maio de 2018 a médicos dentistas inscritos na Ordem dos Médicos Dentistas que, de forma voluntária, aceitaram participar e colaborar no estudo. O questionário foi composto por duas secções: a primeira constituída por questões como o número de anos de experiência, especialidade, pedido de exames tridimensionais complementares de diagnóstico e, em caso negativo, qual o motivo para não o fazerem.
Na segunda parte cada profissional teve que analisar as imagens bidimensionais de cada um dos trinta caninos e responder às questões colocadas.
Numa terceira fase dois observadores com diferente experiência (um no final da sua pós-graduação em Cirurgia Oral e outro Especialista em Cirurgia Oral pela Ordem dos Médicos Dentistas) analisaram cortes paraxiais das tomografias computorizadas dos caninos selecionados. Nenhuma das imagens 3D foi realizada propositadamente para os desígnios deste estudo.
As medições foram efetuadas nas mesmas condições para ambos os observadores, num gabinete de Medicina Dentária de uma clínica privada, com recurso ao mesmo computador HP TouchSmart Elite 73320 All-in-One e programa para análise das imagens 3D Planmeca Romexis 2.9.2.R (Versão de 22-02-2012).
A análise foi executada de forma independente e separada sendo o mesmo corte paraxial utilizado por ambos os operadores para realizarem a análise de 3 componentes: 1- Distância da ponta da cúspide do canino à cortical externa palatina; 2- Distância da ponta da cúspide do canino à cortical externa vestibular; 3- Posição relativa da coroa do canino em relação ao longo eixo do dente adjacente, seja este um incisivo ou pré-molar.
As imagens selecionadas foram medidas no modo de visualização 1:1 e foi realizada uma calibração prévia da régua pela escala fornecida no CBCT, garantindo assim que as medidas eram reais. Para cada canino foi definida a via de abordagem cirúrgica mais precisa (vestibular ou palatina) tendo por base as 3 componentes. Foi utilizada a técnica de aproximação da coroa do dente à cortical óssea vestibular ou palatina e a posição relativa da coroa do canino em relação ao longo eixo do dente adjacente, no sentido vestíbulo-palatino. A abordagem estabelecida constituiu o gold standard que serviu para confirmar ou refutar a abordagem escolhida nos questionários pelos médicos dentistas.
Os dados foram analisados e registados em duas bases de dados (uma para o questionário e outra para o gold standard) no Programa Microsoft Excel®. De seguida, foram analisados no SPSS® Statistical Package for the Social Science, versão 23, e os testes estatísticos foram avaliados ao nível de significância de 0,05 (p=0,05). A amostra foi constituída por oitenta médicos dentistas e os trinta caninos serviram para definir o gold standard.
A confiabilidade das medições efetuadas pelos dois observadores foi avaliada pelo índice de concordância ou reprodutibilidade e, no presente estudo, foi utilizada a estatística Kappa de Cohen para o intervalo de confiança de 95%. Dado que o objetivo principal se prende com a determinação da taxa de acerto na abordagem feita pelos médicos dentistas, tendo-se observado que esta foi de aproximadamente 65%, na globalidade, nesta situação, e comparando a taxa de acerto observada com o acerto ao acaso (50%), pode assumir-se que com um α=0,05 e 80 questionários analisados que se atinge uma potência aproximada a 100% (cálculos realizados no G*Power, versão 3.1.2). Uma vez que a taxa de acerto é baseada na concordância entre a decisão dos médicos dentistas e o gold standard, pareceu ser mais importante determinar a dimensão da amostra necessária a colher de forma a garantir que houvesse concordância pois, na sua ausência, não seria possível determinar a taxa de acerto dos médicos dentistas. Assim, e de forma a garantir que o limite inferior do intervalo de confiança a 95% para a concordância fosse superior a 90%, esperando-se observar uma concordância medida pelo kappa de Cohen de 95%, obteve-se um valor de n=73. Como é habitual, e de forma a garantir a obtenção de 73 questionários válidos, foram inquiridos mais 10% (7 casos), o que totalizou 80 respostas válidas aos inquéritos.
Resultados
O pedido de CBCT é efetuado de acordo com a distribuição ilustrada na Figura 1. Foi referido por 50% dos médicos dentistas pedirem CBCT em todos os casos de caninos maxilares inclusos, 37,5% apenas em casos duvidosos, 7,5% muito raramente e 5% nunca pedem.
Dos 40 (50%) médicos dentistas que nem sempre pedem CBCT 10 (12,5%) justificam que com 2 incidências apicais conseguem ter noção da posição do dente; 9 (11,3%) porque consideram exames dispendiosos, 6 (7,5%) porque não querem
submeter o paciente a mais radiação, 5 (6,3%) porque nem sempre conseguem adquirir a requisição dos meios complementares de diagnóstico pelo médico assistente e 10 (12,5%) justificam com outros motivos desconhecidos.
Os resultados da análise de imagens 2D mostraram que 35,5% das opções de abordagem foram erradas. Apenas 4 dos médicos dentistas afirmaram nunca pedir TC ou CBCT, sendo que, nesta situação, a taxa da escolha correta da via de abordagem cirúrgica varia entre os 43,3% e os 83,3%, sendo a média (+/- DP) de 65% (+/- 18,3%). Quando o Médico Dentista pede o CBCT consegue, em média, uma taxa de abordagem correta quase superior a 50%.
Não parece existir diferença estatisticamente significativa no número de escolhas da via de abordagem correta de acordo com a experiência do Médico Dentista (p=0,958). No entanto, como é possível verificar na Tabela 1 parece depender da especialidade do Médico Dentista (p=0,024), sendo que Cirurgiões orais escolheram significativamente mais vezes a via correta de abordagem que Generalistas (p=0,034). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para as restantes especialidades.
A maioria dos cirurgiões orais pede sempre CBCT (75%), sendo pouco frequente que peçam apenas em casos duvidosos. 55,6% dos Ortodontistas pedem sempre CBCT e 27,78% em casos duvidosos. Verificou-se uma associação entre a especialidade e o pedido de CBCT (p = 0,008), sendo que é mais provável que Cirurgiões Orais peçam sempre. Em contraste, médicos dentistas generalistas raramente pedem CBCT ou apenas o fazem em casos duvidosos, enquanto os restantes (outros) nunca pedem exames 3D (Tabela 2).
Na análise da distribuição de médicos dentistas de acordo com o motivo pelo qual não pedem CBCT nos casos de caninos maxilares inclusos verificou-se que na metade dos casos em que os colegas nem sempre pediam a justificação fornecida foi: 12,5% consideraram que com duas incidências apicais conseguem ter noção da posição do dente; 12,5% justificam com outros motivos, desconhecidos; 11,3% porque consideram exames dispendiosos; 7,5% porque não querem submeter o paciente a mais radiação e 6,3% porque nem sempre conseguem obter a requisição dos meios complementares de diagnóstico pelo médico assistente.
Discussão
Num estudo de 20105 os autores referem que existem médicos dentistas que, por inúmeras razões, não solicitam imagens 3D para estudo e planeamento cirúrgico e optam por arriscar na abordagem cirúrgica, o que acarreta desvantagens imediatas como o aumento da morbilidade do paciente.
Este facto justifica a pertinência da presente investigação. Ao contrário do que seria de esperar, não parece existir diferença estatisticamente significativa na escolha da via de abordagem correta no sentido vestíbulo-palatino de acordo com o número de anos de experiência dos médicos dentistas.
Tal pode dever-se ao tamanho da amostra, uma vez que 80 médicos dentistas não é representativo da população (médicos dentistas a exercer em Portugal) e o facto de um médico dentista ter mais anos de prática clínica não implica obrigatoriamente que se sinta confortável no diagnóstico e planeamento destes casos se essa não for a sua área preferencial de atuação. Este facto pode traduzir-se numa maior dificuldade no diagnóstico e execução de plano de tratamento para intervenção relativa a caninos maxilares inclusos, sobretudo nos casos mais complexos e dúbios. Contrariamente, a taxa de abordagens corretas no sentido vestíbulo-palatino parece depender da especialidade dos médicos dentistas. Cirurgiões orais escolheram significativamente mais vezes a via correta de abordagem cirúrgica do que os generalistas. Contudo, não existiram diferenças estatisticamente significativas entre qualquer uma das restantes classes de especialidade (ortodontia, generalistas ou outra). Tal pode dever-se ao facto de os cirurgiões orais contactarem mais vezes com este tipo de casos clínicos e por serem, durante a sua aprendizagem académica/ especialização, sensibilizados para o diagnóstico e tratamento dos mesmos.
Deste modo, seja para tração ortodôntico-cirúrgica ou exodontia, os cirurgiões orais provavelmente analisam mais imagens de caninos inclusos para estabelecimento prévio da melhor via de abordagem cirúrgica, estando alertados para as posições que estes dentes podem ter e o tipo de imagem radiográfica que podem apresentar. Este é um dos motivos pelo qual estudos semelhantes optam por escolher observadores de cirurgia oral ou ortodontia, sendo esta última uma que também lida em primeira mão com dentes inclusos.
De acordo com os resultados obtidos a maioria dos cirurgiões orais pede sempre CBCT (75% dos casos), enquanto para uma percentagem semelhante de ortodontistas, estes apenas pediriam sempre CBCT em 55,6% dos casos ou em casos duvidosos.
Estes dados de acordo com a literatura que refere que, regra geral, cirurgiões orais tendem a pedir sempre CBCT para estudo da inclusão dentária dados os riscos inerentes a qualquer tipo de abordagem cirúrgica, comparativamente a ortodontistas ou colegas de outras especialidades13 Tais riscos acarretam uma maior morbilidade para o paciente devido a fatores como o descolamento de retalhos maiores ou realizados no local incorreto por falhas na localização do canino, possível necessidade de uma segunda cirurgia, aumento de dor e edema no pós-operatório e, se deteção tardia da real posição do canino, perda de osso por osteotomia desnecessária.
No que respeita a metade dos médicos dentistas que não pedem CBCT, alguns estudos6, 7 demonstraram que este é mais preciso quando comparado com as técnicas paralaxe horizontais no diagnóstico de posição de caninos maxilares inclusos, sobretudo em casos complexos e não palpáveis. A ausência de CBCT pode acarretar consequências tais como planos de tratamento desadequados ou com mau prognóstico, surpresas indesejáveis, sobretudo no que respeita o grau de dificuldade do caso, dificuldade na exposição cirúrgica e/ou definição do vetor de tração ortodôntica, maior morbilidade do paciente por patologias císticas e reabsorções de dentes vizinhos que passam despercebidas, retalhos mal localizados e técnicas cirúrgicas mais invasivas.
Em 2014, alguns autores3 encontraram diferenças estatisticamente significativas para a localização vestíbulo-palatina dos caninos maxilares inclusos, com maior correlação no grupo dos ortodontistas. O motivo mais mencionado para solicitar imagens 3D foi a localização no sentido vestíbulo-palatino, sendo que os cirurgiões orais foram mais a favor de realizar mais imagens 3D. Estes dados estão também de acordo com um estudo de 201413 e com os resultados obtidos nesta investigação.
Estudos8, 9, 10 onde se comparou o diagnóstico e plano de tratamento de caninos maxilares inclusos tendo como base o estudo de imagens de CBCT vs imagens bidimensionais combinadas com telerradiografia de perfil ou radiografias periapicais indicam que a informação do CBCT é superior à obtida por imagens 2D, podendo afetar o plano de tratamento, nomeadamente o estabelecimento da correta via de abordagem cirúrgica no sentido vestíbulo-palatino.
De acordo com uma revisão sistemática de 20166 os autores referem que a precisão do CBCT ronda os 50% a 95% e para radiografias convencionais dos 39% aos 85%, pelo que as informações obtidas através destas modalidades são desviantes e, em última análise, podem afetar o plano de tratamento. Tal vai de encontro com o facto de cirurgiões orais correrem menos risco na abordagem cirúrgica de caninos inclusos maxilares, por solicitarem mais vezes exames tridimensionais. Em 201311 foi publicado um estudo em que os autores referem que as imagens de CBCT ajudaram a aumentar o nível de confiança do clínico no que respeita o plano de tratamento, diagnóstico de localização, contacto com os dentes adjacentes e a presença de reabsorções radiculares, justificando, assim, o uso de CBCT em pacientes sujeitos a intervenção cirúrgica. Não existe uma evidência suficientemente forte que suporte a utilização deste tipo de exame como primeira escolha nestes casos bem como a relação custo-benefício associada, daí que, apesar das claras vantagens dos exames tridimensionais, a presente investigação, assim como os autores de um estudo de 201812 considera não ser aconselhável o uso rotineiro do CBCT e realça a necessidade de estabelecer normas para solicitar este tipo de exames em caninos inclusos maxilares. Em consonância, os médicos dentistas devem ser encorajados a avaliar os métodos radiográficos atualmente em uso em termos de níveis de dose aos quais os pacientes estão expostos e questionar a relação risco-benefício para o paciente.
A presente investigação apresenta vantagens e fraquezas que devem ser mencionadas para fornecer um enquadramento apropriado da interpretação dos resultados. Algumas das vantagens passam pela existência prévia de tomografia computorizada de todos os casos de caninos inclusos, que além de acrescentar valor à investigação, evitou a necessidade de pedir este exame propositadamente, o que acarretaria um aumento da exposição à radiação e custos acrescidos para os pacientes; a elevada potência e nível de concordância intra e inter-observadores que tornam reprodutível o método comparativo pela análise 3D com as restantes imagens; o número de caninos maxilares inclusos que, comparativamente ao número utilizado noutros estudos, parece ser bastante razoável; o estudo da relação entre a correta via de abordagem cirúrgica e variáveis ainda pouco estudadas como a experiência clínica, especialidade e hábito de pedir exames 3D para estudo do caso. Quanto às principais desvantagens deste estudo consideram-se: desenho do estudo, em que o melhor método para se comparar a posição do canino no sentido vestíbulo-palatino no interior do alvéolo seria avaliar radiografias panorâmicas com vários cortes de imagens 3D e não apenas um corte paraxial, o facto de a amostra não ser representativa da população (médicos dentistas a exercer em Portugal), o que por si só condiciona a validade interna/até que ponto os resultados estão corretos para a amostra e também a validade externa do estudo, a existência de viés pela aplicação de um questionário não validado, as imagens não terem sido padronizadas e a via de abordagem escolhida pela análise 3D, apesar de precisa, não ser uma verdade absoluta.
Apesar das claras vantagens das imagens 3D, não é prudente aconselhar o seu uso por rotina para localização de caninos maxilares inclusos.
São necessários estudos futuros com padrões metodológicos que clarifiquem em que situações exatas de caninos maxilares inclusos a Tomografia Computorizada ou Tomografia Computorizada de Feixe Cónico beneficiam o paciente e médico dentista.
Os resultados desta investigação devem ser interpretados com prudência.
Conclusões
A localização vestíbulo-palatina de caninos maxilares inclusos é o motivo mais frequentemente apontado para solicitar imagens radiográficas tridimensionais, sendo que Cirurgiões Orais indicam mais vezes a necessidade de analisar imagens 3D.
A taxa de abordagens cirúrgicas corretas no sentido vestíbulo-palatino não parece relacionar-se com a experiência dos médicos dentistas, mas com especialidade, sendo que cirurgiões orais escolhem mais vezes a correta via de abordagem cirúrgica quando comparados com generalistas.
A concordância média observada entre o diagnóstico de posição efetuado por análise de imagens 2D e efetuado com recurso a imagens 3D é de 65,04%, sendo que cirurgiões orais e ortodontistas apresentam uma clara preferência pela abordagem palatina.
Conteúdo suplementar. Apêndices
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Referências
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Maria Luis Lacerda
Correio eletronico: m4ry.lacerda@gmail.com
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos da comissão de investigação clinica e etica relevante e de acordo com os do Código de Ética da Associação Medica Mundial (Declaração de Helsínquia).
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interesses
Os autores declaram nao haver conflito de interesses.
Historial do artigo:
Recebido a 13 de dezembro de 2018
Aceite a 6 de dezembro de 2019
On-line a 3 de janeiro de 2020