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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

SPEMD - Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac | 2018 | 59 (3) | 174-179




Caso ClÍnico

Paracoccidioidomicose na mucosa oral: Relato de caso

Oral paracoccidioidomycosis: A case report


a Programa de Pós-graduação em Odontologia, Departamento de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
b Faculdade Patos de Minas (FPM), Patos de Minas, Minas Gerais, Brasil

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Volume - 59
Issue - 3
Caso ClÍnico
Pages - 174-179
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Received on 09/06/2018
Accepted on 27/10/2018
Available Online on 27/10/2018


Caso Clnico

Paracoccidioidomicose na mucosa oral: Relato de caso

Oral paracoccidioidomycosis: A case report

Lilian de Barrosa,b, Eliene Magda de Assisa, Hayder Egg Gomesa, Paulo Eduardo Alencar Souzaa, Martinho Campolina Rebello Hortaa,*

a Programa de Ps-graduao em Odontologia, Departamento de Odontologia, Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (PUC Minas), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

b Faculdade Patos de Minas (FPM), Patos de Minas, Minas Gerais, Brasil

*Correspondncia:

http://doi.org/10.24873/j.rpemd.2018.11.236

Resumo

A Paracoccidioidomicose uma infeo fngica endmica em regies da Amrica Latina como o Brasil. Est relacionada a atividades profissionais onde h o manejo do solo contaminado pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis. O presente artigo tem como objectivo relatar um caso de Paracoccidioidomicose com manifestaes na mucosa oral, abordando aspetos relevantes de sua etiopatogenia, caractersticas clnicas, diagnstico e tratamento. Paciente de 42 anos, sexo masculino, lavrador, apresentou um quadro de macroqueilia associada a ulcerao de aspeto moriforme localizada principalmente na mucosa labial inferior bilateralmente e na mucosa jugal esquerda. Com a principal hiptese de diagnstico clnico de Paracoccidioidomicose, realizou-se bipsia incisional. O exame anatomopatolgico confirmou o diagnstico e o doente foi encaminhado para tratamento mdico, realizado com sucesso por meio da administrao de itraconazol via oral. O mdico dentista deve conhecer as caractersticas das leses orais da paracoccidioidomicose, pois exerce papel importante no diagnstico precoce da doena.

Palavras-chave: Doenas infecciosas, Mucosa oral, Paracoccidioidomicose

Abstract

Paracoccidioidomycosis is an endemic fungal infection in regions of Latin America such as Brazil. It is related to professional activities where there is the management of the soil contaminated by the fungus Paracoccidioides brasiliensis. This article aims to report a case of Paracoccidioidomycosis with oral mucosa manifestations, addressing relevant aspects of its etiopathogenesis, clinical characteristics, diagnosis and treatment. A 42-year-old male, farmer, presented macrocheilia and moriform ulcers located mainly in the lower labial mucosa bilaterally and in the left buccal mucosa. With the main clinical diagnostic hypothesis of Paracoccidioidomycosis, incisional biopsy was performed. Pathologic examination confirmed the diagnosis and the patient was referred for medical treatment, successfully performed by oral itraconazole. The dentist should know the characteristics of the oral lesions of Paracoccidioidomycosis, since it plays an important role in the early diagnosis of the disease.

Keywords: Infectious diseases, Oral mucosa, Paracoccidioidomycosis

Introduo

A Paracoccidioidomicose (PCM) uma infeo fngica sistmica com maior prevalncia em pases da Amrica Latina, sendo a maioria dos casos provenientes do Brasil, Argentina, Colmbia e Venezuela.1, 8 A doena est relacionada a actividades onde h o manuseamento do solo contaminado pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis. Na forma crnica da doena, podem ocorrer leses em pele e mucosas. Foi descrita pela primeira vez por Adolfo Lutz, em 1908, no Brasil, aps a observao de fungos dimrficos em dois pacientes com leses na mucosa oral. Posteriormente, foi descrita por Splendore e Almeida, sendo tambm denominada doena de Lutz ou micose de Lutz-Splendore-Almeida.1 - 3, 9 - 11

O seu agente etiolgico, Paracoccidioides brasiliensis, um fungo dimrfico.1, 2, 12 - 16 A infeo ocorre por inalao do fungo em sua forma de hifa. No alvolo pulmonar, que corresponde ao local da infeo primria, a temperatura corporal promove a transformao da hifa para a forma patognica de levedura.2, 3, 11, 12 Dos pulmes, o fungo pode disseminar-se para vrios rgos e sistemas por meio das vias hematognica, linftica e canalicular, atingindo com maior frequncia linfonodos, mucosas (com destaque para a mucosa oral), pele e glndulas supra-renais.1 - 3, 12, 17 A doena no apresenta infeo inter-humana.1, 3, 13 A Paracoccidioidomicose considerada um problema de sade pblica nas reas endmicas devido ao seu alto potencial de incapacitar os indivduos infetados.18 A insuficincia pulmonar crnica causada pela fibrose constitui a sequela mais grave da doena.11 H duas formas clnicas da doena: aguda/subaguda e crnica.1, 2, 5, 12 - 14, 17

A forma aguda/subaguda (tipo juvenil) a forma mais grave, atingindo crianas e adultos jovens, de ambos os sexos e na mesma proporo, apresentando rpida evoluo.1, 2, 5, 6 12 - 14, 17

H o comprometimento do sistema retculoendotelial, hepatoesplenomegalia e adenomegalia generalizadas, podendo causar leses cutneas e osteoarticulares.19, 20 O compromisso pulmonar raro e as leses na mucosa ocorrem em apenas 15 a 20% dos casos.3

A forma crnica (tipo adulto) representa mais de 90% dos casos. A idade dos pacientes atingidos varia de 30 a 60 anos, com predileo pelo sexo masculino, com relao homem/mulher de 15:1.1, 2, 3, 5, 13 - 14, 17, 20 Acredita-se que essa maior prevalncia em homens ocorra em funo das mulheres serem protegidas pelas hormonas estrogneas, que inibem a transformao da forma de hifa para a forma de levedura,1, 2, 9, 10, 12 alm da maior presena de homens trabalhando na lavoura.21

Apresenta durao prolongada, instalao lenta e evoluo gradual. Pode manifestar-se nas formas leve, moderada ou grave, podendo atingir apenas um rgo (unifocal) ou disseminar-se para outros rgos (multifocal).3 Os indivduos nesta fase apresentam geralmente danos pulmonares de progresso lenta, podendo evoluir para uma condio semelhante tuberculose.

Nesta fase, podem ser observadas leses secundrias na mucosa, pele, glndulas suprarrenais e linfonodos, 2 sendo a mucosa oral frequentemente atingida.20

As leses orais so bastante comuns e, muitas vezes, representam a primeira manifestao clnica da Paracoccidioidomicose, sendo precedidas ou concomitantes s leses pulmonares.6, 15 Muitas vezes so a razo pela qual o paciente procura ajuda profissional. 2, 9 Portanto, na maioria dos casos, a doena diagnosticada a partir das alteraes na mucosa oral.10 As leses orais manifestam-se comumente como lceras de fundo granulomatoso apresentando pontos hemorrgicos e geralmente multicntricas.5, 8, 9, 12, 13, 14, 16 Os sinais e sintomas mais frequentes relacionados s leses orais so dor, macroqueilia, halitose, sialorreia, prurido, ardor, hemorragia e disfagia.2, 8, 9, 16 As regies mais atingidas na cavidade oral so a gengiva aderente12 e a mucosa labial,2 geralmente associadas a linfadenopatia regional.8

O presente artigo tem como objetivo relatar um caso de Paracoccidioidomicose com manifestaes na mucosa oral, abordando aspetos relevantes de sua etiopatogenia, caractersticas clnicas, diagnstico e tratamento.

Caso clnico

Paciente de 42 anos, sexo masculino, feoderma, lavrador, procurou a Clnica de Estomatologia da Faculdade Patos de Minas (FPM) queixando-se de dor, tumefao e hemorragia na mucosa bucal, com aproximadamente 4 meses de evoluo, associada a dificuldade em se alimentar e higienizar os dentes. O paciente no relatou alteraes sistmicas relevantes.

Ao exame fsico extraoral observou-se macroqueilia caracterizada por tumefao do lbio inferior bilateralmente e do lbio superior esquerdo (Figura 1), que se apresentaram endurecidos palpao. No foram detetados linfonodos regionais palpveis.

No exame intraoral foram observadas extensas reas irregulares de ulcerao associada a placas brancas, exibindo aspeto granular com pontos hemorrgicos, localizadas na mucosa labial inferior bilateralmente (Figura 2) e na mucosa jugal esquerda (Figura 3). As leses tambm se estendiam para o frnice vestibular e mucosa alveolar. O paciente apresentava ainda doena periodontal associada presena de biofilme e clculo dentrio, ausncia de alguns dentes e halitose.

Com a principal hiptese de diagnstico clnico de Paracoccidioidomicose e considerando tambm a hiptese de Leishmaniose, realizou-se bipsia incisional e o material foi encaminhado para o Laboratrio de Patologia Bucal do Departamento de Odontologia da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (PUC Minas).

Os cortes histolgicos, corados em HE, mostraram fragmento de mucosa revestida por epitlio estratificado pavimentoso paraqueratinizado com hiperplasia (Figura 4). A lmina prpria apresentava tecido conjuntivo fibroso celularizado com inflamao crnica granulomatosa (Figura 5), caracterizada pela presena de numerosos granulomas apresentando clulas gigantes multinucleadas tipo Langhans, por vezes contento estruturas redondas com halo perifrico birrefringente, caractersticas da levedura do fungo Paracoccidioides brasiliensis (Figura 6). Essas leveduras, PAS positivas, foram tambm observadas no interior de microabscessos localizados no epitlio de revestimento da mucosa (Figura 7). O exame anatomopatolgico confirmou o diagnstico de Paracoccidioidomicose.

O doente foi ento encaminhado para avaliao e tratamento mdico. No foram observadas alteraes pulmonares aparentes clnica ou radiograficamente. O tratamento foi realizado por meio da administrao de itraconazol via oral (200mg/dia durante seis meses). Dois meses aps o incio do tratamento, o doente retornou apresentando remisso da macroqueilia e das leses na mucosa oral (Figura 8 e Figura 9). O doente completou com sucesso os seis meses de tratamento e foi encaminhado para tratamento odontolgico periodontal e prottico.

Discusso e concluses

Apesar da literatura mostrar progressos significativos na compreenso da epidemiologia, patognese e diagnstico da Paracoccidioidomicose, esta doena ainda apresenta alta prevalncia no Brasil, com taxas de mortalidade significativas, podendo ser considerada uma doena negligenciada no pas.3

A forma crnica da doena afeta adultos entre 30-60 anos de idade, com maior incidncia em homens e considerada uma micose ocupacional por apresentar maior prevalncia em trabalhadores rurais.1, 2, 5, 6, 12 - 14, 17, 20 O caso relatado neste artigo vai ao encontro destas caractersticas reportadas na literatura.

A mucosa oral atingida na maioria dos casos e, geralmente, as leses orais assumem grande importncia na caracterizao clnica e no diagnstico da doena.5 Essas leses geralmente manifestam-se como mltiplas lceras de fundo granulomatoso contendo pontos hemorrgicos, um quadro denominado estomatite moriforme,5 8 9 12 - 14 16 precisamente como observado no caso relatado. Carcinoma de Clulas Escamosas, Tuberculose, Sfilis, Granuloma de Wegener, Leishmaniose e outras micoses profundas so doenas que fazem diagnstico diferencial com a Paracoccidioidomicose. 9 Linfoma e Histoplasmose tambm so importantes diagnsticos diferenciais.17 Adicionalmente, o comprometimento do sistema linftico pode simular Doena de Hodgkin e outras malignidades.3 No caso relatado, no houve grande desafio no diagnstico, em funo dos seguintes fatores: as caractersticas clnicas da leso eram muito sugestivas do quadro de estomatite moriforme comumente observado na Paracoccidioidomicose; a presena de leses multicntricas na mucosa oral diminui a probabilidade de Carcinoma de Clulas Escamosas, um dos diagnsticos diferenciais mais relevantes da Paracoccidioidomicose; o paciente residia em rea endmica da doena; a idade, o sexo e a profisso do paciente eram compatveis com os casos da doena reportados na literatura. No obstante, os autores tambm consideraram a hiptese de diagnstico de Leishmaniose, em funo desta doena poder manifestar-se na mucosa oral como lceras multicntricas de fundo granulomatoso.

A bipsia incisional, seguida do exame histopatolgico, o padro-ouro para o diagnstico da doena, principalmente nos casos de leses orais.2 No exame anatomopatolgico observa-se geralmente hiperplasia pseudoepiteliomatosa e, na lmina prpria, inflamao crnica granulomatosa. No interior de clulas gigantes ou de microabcessos, observam-se leveduras ovoides com dupla membrana birrefringente.2, 6, 9, 10 Para melhor evidenciar o fungo nos cortes histolgicos, podem ser empregadas as coloraes Groccott-Gomori e PAS.2,6,10 No caso relatado estas caractersticas histopatolgicas foram observadas, bem como a colorao pelo PAS foi utilizada para facilitar a identificao do fungo. Cabe ressaltar que a citologia esfoliativa pode ser tambm uma ferramenta til para o diagnstico de leses orais.22

O tratamento recomendado para Paracoccidioidomicose inclui derivados azlicos de atuao sistmica, anfotericina B, sulfadiazina e outros derivados sulfanilamdicos.6, 10, 15, 18 A anfotericina B recomendada para os casos mais graves, sendo administrada em ambiente hospitalar.15 Derivados azlicos como cetoconazol, fluconazol e itraconazol so eficazes no tratamento da doena. O itraconazol a droga de escolha nos casos em que a doena se apresenta nas formas leve e moderada, por apresentar grande atividade antifngica e poucos efeitos colaterais.16 As sulfas tambm se mostram eficazes no tratamento da Paracoccidioidomicose em reas endmicas, podendo ser a droga de primeira escolha. A combinao sulfametoxazol-trimetoprim muito usada no tratamento ambulatrio.6 No caso relatado, o itraconazol foi a droga de escolha para o tratamento, mostrando-se eficaz e sem efeitos colaterais relevantes. O sucesso teraputico depende tanto da droga utilizada quanto da competncia imunolgica do hospedeiro, alm do grau de disseminao das leses. Os doentes diagnosticados devem passar por exames peridicos clnicos e complementares para que se avalie a completa regresso dos sintomas e desaparecimento das leses ativas.10 Os critrios de cura envolvem regresso de sinais e sintomas, cicatrizao das leses, involuo de linfadenopatias, estabilizao das imagens radiogrficas e resultado de exames laboratoriais especficos negativos.18

O mdico dentista deve conhecer as caractersticas das leses orais da Paracoccidioidomicose pois exerce papel importante no diagnstico precoce da doena, evitando possveis comorbidades associadas sua disseminao ou at mesmo o bito, como tambm no acompanhamento da remisso dessas leses durante o tratamento.2, 10

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*Autor correspondente:

Martinho Campolina Rebello Horta

Correio eletronico: martinhohorta@pucminas.br

Financiamento

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG CDS-PPM-00653-16). Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq). MCRH pesquisador financiado pela FAPEMIG (CDS-PPM-00653-16). EMA foi contemplada com bolsa de estudos da CAPES. HEG foi contemplado com bolsa de estudos da PUC Minas.

Responsabilidades ticas

Proteo de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigao no se realizaram experincias em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicao dos dados de pacientes.

Direito privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondncia est na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram no haver conflito de interesses.

Historial do artigo:

Recebido a 9 de julho de 2018

Aceite a 27 de outubro de 2018

On-line a 28 de novembro de 2018