Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
SPEMD - Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac | 2018 | 59 (2) | 80-86
Investigação Original
Estudo SAIMI – Hábitos de escovagem dentária em crianças e adolescentes imigrantes do subcontinente indiano em Lisboa
SAIMI study – Teeth brushing habits among immigrant children and adolescents from the indian subcontinent in Lisbon
a Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
b Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
c Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal.
d Direção-Geral de Saúde, Lisboa, Portugal
Tiago Costa - tiagoscosta@gmail.com
Article Info
Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac
Volume - 59
Issue - 2
Investigação Original
Pages - 80-86
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Article History
Received on 26/10/2017
Accepted on 28/07/2018
Available Online on 10/09/2018
Keywords
Investigação original
Estudo SAIMI Hábitos de escovagem dentária em crianças e adolescentes imigrantes do subcontinente indiano em Lisboa
SAIMI study Teeth brushing habits among immigrant children and adolescents from the indian subcontinent in Lisbon
Tiago Costaa,*, Elisa Lopesa,b, Violeta Alarcãoa,b,c, Paulo Nogueiraa,b,c, Mário Carreiraa,b,d
a Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
b Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
c Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal.
d Direção-Geral de Saúde, Lisboa, Portugal.
http://doi.org/10.24873/j.rpemd.2018.09.225
Resumo
Objetivos: O número de crianças e adolescentes imigrantes do subcontinente indiano tem aumentado em Portugal. A cárie dentária é a doença crónica mais frequente nestas idades, sendo a escovagem a sua mais eficaz prevenção. Pretendeu-se caracterizar os hábitos de escovagem dentária das crianças e adolescentes imigrantes do subcontinente indiano, residentes em Lisboa.
Métodos: Estudo transversal com crianças e adolescentes (2 a 16 anos de idade), imigrantes de 1.ª e 2.ª geração do subcontinente indiano (Bangladesh, Índia e Paquistão) a residir em Lisboa, selecionados através de uma técnica de amostragem de propagação geométrica, usando inquiridores com acesso privilegiado à população-alvo. Foi realizada uma análise descritiva das características sociodemográficas e hábitos de escovagem e uma análise multifactorial por regressão logística, sendo a variável dependente a escovagem dentária bidiária.
Resultados: Obtiveram-se dados relativos a 278 indivíduos (66% do sexo masculino, idade média de 7,6±3,5 anos), 48% dos quais escovava os dentes bidiariamente. A probabilidade de escovagem bidiária foi associada de forma significativa e independente aos imigrantes de 1.ª geração e aos grupos etários mais velhos.
Conclusões: Nas crianças imigrantes do subcontinente indiano, a frequência de escovagem dentária bidiária é muito baixa em idade pré-escolar, sendo necessário reforçar as recomendações de que a escovagem se inicie com a erupção dos primeiros dentes decíduos, bem como a adoção de programas de promoção da saúde culturalmente adaptados.
Palavras-chave: Emigrantes e Imigrantes, Higiene dentária, Oeste Asiático, Portugal
Abstract
Objectives: The number of child and adolescent immigrants from the Indian subcontinent has been increasing in Portugal. Dental caries is the most common chronic disease in these ages, and toothbrushing is the most effective prevention measure. The objective was to characterize the toothbrushing habits of immigrant children and adolescents from the Indian subcontinent, living in Lisbon.
Methods: In this cross-sectional study, children and adolescents (aged 2 to 16 years) who were 1st and 2nd generation immigrants from the Indian subcontinent (Bangladesh, India and Pakistan) living in Lisbon were selected based on a chain referral sampling technique and using privileged access interviewers. Descriptive analysis of sociodemographic characteristics and toothbrushing habits and a multifactorial logistical model were performed, with toothbrushing twice a day as the dependent variable.
Results: Data was obtained from 278 individuals (66% male, mean age of 7.6±3.5 years), 48% of which brushed their teeth twice a day. The probability of toothbrushing twice a day was significantly and independently associated with 1st generation immigrants and older age groups.
Conclusions: In immigrant children from the Indian subcontinent, the frequency of toothbrushing twice a day is very low in pre-school ages, making it necessary to strengthen recommendations for starting toothbrushing with the eruption of the first deciduous teeth, as well as the adoption of targeted health promotion programs.
Keywords: Emigrants and Immigrants, Hygiene dental, Asia western, Portugal
Introdução
Os estrangeiros com título de residência em Portugal Continental correspondem a 4% da população,1 habitando maioritariamente (52%) na Grande Lisboa e Península de Setúbal.2
Os imigrantes do subcontinente indiano bangladeshianos (2074), paquistaneses (1785) e indianos (6421) representavam cerca de 3% do total de estrangeiros residentes em 2014,2 3 tendo vindo a aumentar.4 São predominantemente jovens (23% menores de 20 anos em 2009/2010),4 do sexo masculino 4, 5, com nível de escolaridade relativamente elevado4 (mais de um terço com ensino secundário completo),6 muçulmanos (Paquistaneses e Bangladeshianos)6 ou hinduístas (Indianos).6 Chegam a Portugal sozinhos, mas são frequentemente seguidos pela família.4
É difícil aceder a informação quanto à saúde das populações imigrantes.7 No Quarto Inquérito Nacional de Saúde (4.º INS),8 realizado em 2005/2006, os imigrantes classificaram o seu estado de saúde como Bom ou Muito bom em proporções semelhantes aos portugueses (58,6% para os imigrantes e 50,5% para os portugueses, padronizado para a idade). Estes imigrantes, quando comparados com os indivíduos de nacionalidade portuguesa, utilizavam mais frequentemente os serviços de saúde oral para prevenção (44% e 51%, respetivamente) e escovavam mais frequentemente os dentes bidiariamente (59% e 75%, respetivamente). No entanto, esta era uma amostra de imigrantes onde a exclusão social não aparentava ser uma problemática prevalente,8 pois era mais jovem, com maior escolaridade, com mais trabalhadores ativos e com maior proporção de beneficiários do Serviço Nacional de Saúde (SNS), do que a população portuguesa amostrada.8
A cárie dentária é a doença crónica mais frequente entre os 5 e os 17 anos de idade,9 mais comum em grupos populacionais carenciados10 e a principal causa de perda de dentes.11
A escovagem é o seu instrumento de prevenção mais eficaz, 9, 12 sendo a sua realização bidiária com um dentífrico fluoretado recomendada no Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO)13 logo após a erupção do primeiro dente. Os hábitos de higiene oral relacionam‑ se com fatores como o nível económico 14, 17 e educacional, 14, 15 os hábitos alimentares, 14, 16 o acesso a programas de saúde oral 14, 18 e serviços de saúde oral.16 Entre 1984 e 1999, foi observado um contínuo declínio da prevalência das lesões de cárie em crianças portuguesas de 6 e 12 anos de idade, significativamente associado (por análise multivariada de regressão) à escovagem bidiária dos dentes. 19 Na amostra do III Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais (ENPDO),20 publicado em 2015, a escovagem bidiária era realizada por 53% das crianças de 6 anos, aumentando com a idade até 78% aos 18 anos de idade. A frequência de visita a um dentista/técnico de saúde oral também aumentava com a idade: 58% aos 6 anos e 96% aos 18 anos de idade. Na amostra portuguesa do relatório do estudo Health Behaviour in School a‑aged Children (HBSC) da Organização Mundial de Saúde,21 realizado em 2013/2014 com crianças e adolescentes de 11, 13 e 15 anos de idade, a maioria (69,9%) referiu que escovava os dentes mais que uma vez por dia. 22 O nível socioeconómico da famílias, 21 o sexo feminino 21 22 e o aumento da idade22 foram significativamente associados à prevalência de escovagem dos dentes mais de uma vez por dia. Já um estudo realizado em 2006/2007 com 998 imigrantes africanos e brasileiros residentes em Portugal, com ≤ 14 anos de idade,23 revelou que a maioria (85%) escovava os dentes bidiariamente e 29% tinha realizado uma consulta de saúde oral no último ano.
Pretendeu‑se caracterizar os hábitos de escovagem dentária das crianças e adolescentes imigrantes do subcontinente indiano em Portugal e identificar os seus fatores associados, contribuindo para colmatar o défice de dados relativos à saúde oral destas populações e possibilitar a identificação de medidas preventivas.
Materiais e métodos
Estudo transversal com indivíduos entre os 2 e os 16 anos de idade, residentes no distrito de Lisboa e imigrantes do Bangladesh, Índia e Paquistão naturais desses países (imigrantes de 1.ª geração) ou de Portugal, desde que filhos de pais oriundos dos mesmos países (imigrantes de 2.ª geração). Foram excluídos os naturais de um desses países, filhos de Portugueses emigrados, entretanto voltados a Portugal.
O presente estudo utilizou dados recolhidos no âmbito do projeto de avaliação do acesso aos cuidados de saúde e nível de saúde das populações imigrantes do Bangladesh, Índia e Paquistão (estudo SAIMI),24realizado pelo Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, da Faculdade de Medicina, da Universidade de Lisboa. O objetivo principal do estudo SAIMI24 foi avaliar o acesso aos cuidados de saúde dos imigrantes em Portugal.
Foi utilizada a técnica de amostragem de propagação geométrica, combinada com entrevistadores com acesso privilegiado à populacao‑alvo, partindo de contatos já estabelecidos com as mesquitas de Lisboa e com a comunidade Hindu. Para aumentar a heterogeneidade da amostra, os contatos iniciais incluíram representantes de diversos subgrupos: naturalidade das três comunidades, diferentes tempos de estadia em Portugal, ambos os géneros, diferentes grupos etários e diferentes condições sociais e educacionais. A metodologia de amostragem não probabilística é particularmente útil em populações de difícil acesso, consistindo em pedir a indivíduos elegíveis conhecidos que facultem contatos de outros potenciais participantes. Aos novos indivíduos contatados são igualmente solicitados novos contatos, até a obtenção da amostra pretendida.26
Os participantes foram entrevistados entre novembro de 2012 e março de 2013, em língua inglesa ou portuguesa, por membros das respetivas comunidades. Os entrevistadores eram licenciados na área das ciências sociais e tinham experiência na aplicação de questionários. A todos os participantes foi entregue documento de consentimento informado, redigido em inglês ou português, no qual constavam a descrição do estudo e os contactos dos investigadores, para que fosse possível aos participantes obterem esclarecimentos adicionais ou comunicar eventual intenção de desistência do estudo. A participação no estudo foi voluntária, anónima e confidencial.
Todos os participantes prestaram consentimento informado oralmente, com base em documento redigido em inglês ou português. Os dados relativos aos menores de 15 anos foram obtidos por entrevista a um informador privilegiado (proxy). O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.
O questionário foi constituído por indicadores pertencentes ao 4.º INS, organizado de acordo com as seguintes dimensões: (1) Caracterização sociodemográfica; (2) Estado de Saúde; (3) Estilos de Vida; (4) Saúde Oral; (5) Acesso a Cuidados de Saúde; (6) Saúde Mental e Bem‑Estar Geral e Qualidade de Vida; (7) Morte do Outro; (8) Morte do Próprio; (9) Escala de Ansiedade Perante a Morte (DAS); (10) Questionário caracterização familiar.
Foi baseado no questionário utilizado para o primeiro projeto do estudo SAIMI,25disponível também em tradução inglesa, por a população imigrante frequentemente não dominar o português.
Após análise descritiva univariada, procedeu‑se a análise bivariada com testes Qui‑Quadrado para variáveis categóricas, e t de Student e ANOVA para contínuas. Utilizou‑se o nível de significância 5% (p < 0,05) e recorreu‑se ao software estatístico Statistical Package for the Social Sciences.27
Para analisar diferenças entre grupos, a amostra foi dividida em três comunidades de origem (indiana, paquistanesa ou bangladeshiana) e cinco grupos etários (2‑4 anos, 5‑7 anos, 8‑10 anos, 11‑13 e 14‑16 anos de idade). A observação aos 6 anos de idade é relevante para a avaliação de lesões de cárie na dentição decídua.28 Pelos 12 anos, a maioria da dentição permanente deve ter já erupcionado e, aos 15 anos, estará consolidada e com diversos anos de exposição.28
A resposta à pergunta Alguma vez visitou um estomatologista, dentista, higienista ou outro tecnico de saude dentaria? foi dicotomizada em Ha < 1 ano ou Ha ≥ 1 ano ou nunca. A frequência de escovagem bidiária dos dentes foi dicotomizada em ≥ 2 vezes por dia ou ≤ 1 vez por dia.
A análise multifatorial da frequência de escovagem bidiária realizou‑se com uma regressão logística múltipla, calculando‑se o risco ajustado e os respetivos intervalos de confiança (IC) a 95%. O modelo incluiu as variáveis sexo, grupo etário, comunidade de origem e geração do imigrante associações consideradas estatisticamente relevantes na análise univariada (p < 0,20).29
Resultados
Foram entrevistados 278 indivíduos, 44% (122) pertencentes à comunidade indiana, 31% (86) à paquistanesa e 25% (70) à bangladeshiana (Tabela 1). Cerca de 38% (105) eram imigrantes de 2.ª geração, significativamente mais (p < 0,001) na comunidade indiana (60%).
A maioria dos participantes era do sexo masculino (66%), com média de idades de 7,6±3,5 anos (Tabela 2). Os indianos (idade média de 8,3±3,9 anos) eram significativamente mais velhos (p = 0,005) do que os bangladeshianos (idade média de 6,9±3,2 anos).
Como se verifica na Tabela 3, 30% (83) da amostra referiu que tinha visitado um dentista/técnico de saúde oral no último ano, tendo os paquistaneses visitado significativamente mais (43%), p = 0,001. Os imigrantes de 2.ª geração visitaram um dentista no último ano significativamente mais (45%) do que os de 1.ª geração (21%), p < 0,001. Relativamente aos grupos etários, foram as crianças dos 2‑4 anos (55%) e as dos 11‑13 anos de idade (16%) quem, respetivamente, mais e menos visitou um dentista/técnico de saúde oral no ano anterior (p < 0,001).
De entre os 83 indivíduos que visitaram um dentista/técnico de saúde oral no último ano, 68% fizeram‑no para cuidados preventivos. De entre os 43 indivíduos que nunca visitaram um dentista/técnico de saúde oral, 95% (40) indicaram que não o fizeram porque nao precisaram. Não foram encontradas diferenças significativas nos motivos para consulta entre os grupos.
Dos 267 indivíduos com respostas válidas, 48% (128) escovava bidiariamente (≥ 2 vezes ao dia) (Tabela 3). Não foram encontradas diferenças significativas entre as comunidades de origem. A proporção que escovava bidiariamente aumentou ao longo dos grupos etários (p < 0,001), sendo mínima no grupo 2‑4 anos (6%) e máxima no grupo dos 14‑16 anos (82%).
Os imigrantes de 1.ª geração escovavam os dentes significativamente mais do que os de 2.ª geração (58% vs 31%, p < 0,001).
Aqueles que visitaram um dentista/técnico de saúde oral no último ano escovaram os dentes bidiariamente proporcionalmente menos (33%), do que aqueles que visitaram há mais de um ano ou nunca (54%), p = 0,002.
Foram incluídos no modelo multifatorial (Tabela 4) 267 indivíduos, sendo a variável dependente a escovagem bidiária dos dentes e as variáveis independentes o sexo, a idade (dividida em cinco grupos), a comunidade de origem e a geração de imigrante.
A probabilidade de escovar bidiariamente os dentes aumentou progressivamente ao longo dos grupos etários. Tomando como referência o grupo etário dos 2‑4 anos de idade, o grupo dos 5‑7 anos escovou bidiariamente os dentes com quase 5 vez maior probabilidade [risco ajustado = 4,96 (IC 95%=1,34‑18,33)], subindo até ao grupo dos 14‑16 anos [risco ajustado = 56,99 (IC 95%=9,92‑327,32)].
Ser imigrante de 1.ª geração mais do que duplicou a probabilidade de escovar os dentes bidiariamente [risco ajustado = 2,41 (IC 95%=1,03‑5,63)], quando comparado com os de 2.ª geração.
Discussão
Apenas 30% da nossa amostra visitou um dentista/técnico de saúde oral no último ano, mas a maioria já recorreu em algum momento da vida, 68% para cuidados preventivos. O grupo mais jovem (2‑4 anos) foi o que mais visitou (55% no último ano) e as frequências de acesso diminuem à medida que os indivíduos envelhecem. Note‑se que no III ENPDO20 a tendência foi inversa, com aumento da frequência de acesso com a idade. A nacionalidade dos imigrantes é relevante, já que os indivíduos de origem paquistanesa visitaram um dentista/técnico de saúde oral significativamente mais do que os de origem indiana ou bangledeshiana. Numa amostra de imigrantes de nacionalidade sul‑americana, africana e europeia de leste, residentes em Lisboa e Setúbal,23 as frequências de recurso a consulta de saúde oral foram bastante inferiores às do presente estudo, tendo 29% dos menores de 14 anos de idade recorrido a uma consulta no ano anterior.
A frequência de escovagem bidiária dos dentes aumentou ao longo dos grupos etários, de forma mais marcada na presente amostra do que na do ENPDO.20 No entanto, a tendência foi mais marcada na presente amostra, passando de 6% aos 2‑4 anos para 82% aos 14‑16 anos, enquanto no ENPDO 20 evoluiu de 50% aos 6 anos para 69% aos 15 anos. Outras populações imigrantes em Lisboa, como as já referidas de nacionalidade sul‑americana, africana e europeia de leste,23 apresentaram frequências de escovagem bidiária comparáveis às do presente estudo: 85% nos indivíduos com idade ≤14 anos de idade. Este efeito já foi identificado em outras populações: numa amostra de 9000 crianças entre 3 os 18 anos de idade, residentes na Noruega30 (11% das quais imigrantes), verificou‑se que as crianças imigrantes entre os 3 e os 6 anos de idade tinham pior saúde oral do que as norueguesas, mas que a diferença se esbatia com a idade, sem diferenças significativas após os 6 anos.
O modelo multifatorial revelou associação entre os indivíduos menores de 7 anos e escovagem ≤ 1 vez por dia, ainda que os intervalos de confiança para o risco ajustado revelem alguma incerteza na medida. Tal sugere que existe menor investimento na escovagem durante o período de dentição decídua, o que poderá estar associado à menor importância que lhe é associada pelos cuidadores, 31, 33 nomeadamente nos estabelecimentos de ensino pré‑escolar, onde existem oportunidades para introduzir hábitos regulares e sustentáveis de escovagem em crianças de todos os níveis socioeconómicos. 18, 34
Nos Estados Unidos da América,35 114 imigrantes adultos (47% asiáticos), cuidadores de crianças com ≤ 6 anos de idade, revelaram uma correlação significativa entre uma saúde dentária pobre nas crianças e a crença pelos cuidadores de que a escovagem dentária não se devia iniciar com a erupção do primeiro dente.
Ainda no modelo multifatorial, os imigrantes de 1.ª geração revelaram escovar significativamente mais os dentes bidiariamente que os de 2.ª geração, mesmo após ajustamento para a idade e para a comunidade de origem. Tem sido descrito o fenómeno do migrante saudável, que aponta para o fato de alguns imigrantes serem mais saudáveis do que as populações autóctones e do que as populações da mesma origem, que já nasceram nos países de acolhimento.36 Estes grupos poderão estar mais vulneráveis à doença pelos riscos para a saúde e bem‑estar a que estão expostos nos países recetores, incluindo oportunidades limitadas para adotar comportamentos saudáveis.37 Para estudar o impacto de tais riscos, serão importantes estudos futuros com populações imigrantes, focados nas patologias preveníveis e incluindo avaliações clínicas com cálculo de índices de cárie dentária ou de doença periodontal.
Este estudo teve algumas limitações. O método de amostragem não probabilístico, vantajoso para aceder a uma população de difícil acesso, determina que os contatos iniciais sejam realizados com indivíduos já conhecidos, sendo a amostra inicial de conveniência. Apesar das preocupações em garantir a heterogeneidade e representatividade da amostra, a propagação geométrica não anula o viés associado à possível inclusão de indivíduos mais motivados para participar e com maior rede social.26 Por fim, todos os dados dos menores de 15 anos foram recolhidos por autorrelato, através de proxy e não foram recolhidos dados clínicos que permitam calcular índices de cárie dentária ou doença periodontal.
Conclusões
Verificamos que nas crianças imigrantes do subcontinente indiano, a frequência de visita a um dentista/técnico de saúde oral é maior nos grupos etários pré‑ escolares, diminuindo com a idade, tendência que não se verifica nas crianças nativas portuguesas.
Foi também identificado que as frequências de escovagem dentária bidiária são muito baixas nas crianças imigrantes em idade pré‑escolar, sendo por isso necessário reforçar as recomendações que a escovagem se inicie com a erupção dos primeiros dentes decíduos e sugerida a adoção de programas de promoção da saúde específicos, nomeadamente em contexto pré‑escolar (para introdução de hábitos de escovagem saudáveis) e escolar (para manutenção dos mesmos).
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Tiago Costa
Correio eletrónico: tiagoscosta@gmail.com
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência está na posse deste documento.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses. O estudo SAIMI foi financiado pela Direção-Geral da Saúde.
Agradecimentos
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto «Avaliação do Acesso aos Cuidados de Saúde e Nível de Saúde dos Imigrantes do Subcontinente Indiano» financiado pela Direção-Geral de Saúde, em articulação com o projeto «A Invisibilidad da Morte nas Populações Migrantes em Portugal: Vulnerabilidades e Gestões Transnacionais», financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/CS-ANT/102862/2008). Os autores gostariam de agradecer a toda a equipa de investigação dos projetos e especialmente a Andreia Silva Costa, Clara Saraiva, Filipe Leão Miranda, Irene Rodrigues, José Mapril, Max Ruben Ramos, Rui Simões e Simone Frangella. Os autores estão gratos a todos os participantes pela colaboração no estudo e ao Centro Nacional de Apoio ao Imigrante de Lisboa, à Associação Solidariedade Imigrante Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes, e à Comunidade Hindu de Portugal pela facilitação
das instalações para a administração dos questionários.
Historial do artigo:
Recebido a 26 de Outubro de 2017
Aceite a 28 de Julho de 2018
On-line a 10 de Setembro de 2018