Resumo

Introdução: As infeções odontogénicas são uma causa frequente de abcessos da cabeça e pescoço, sendo o espaço mastigador particularmente suscetível devido à sua proximidade com os molares mandibulares. Contudo, em apresentações atípicas ou de evolução prolongada, a diferenciação entre abcesso e neoplasia pode ser desafiante, uma vez que ambas as entidades se podem manifestar como massas com envolvimento ósseo e densidade heterogénea. A tomografia computorizada (TC) é frequentemente o exame de primeira linha, mas a sua sensibilidade na distinção entre processos inflamatórios e neoplásicos é limitada. Nestes casos, a ressonância magnética pode oferecer maior especificidade devido ao melhor contraste de tecidos moles. Descrição do Caso Clínico: Descreve-se o caso de um homem de 81 anos, com antecedentes de hipertensão arterial e fibrilhação auricular, referenciado ao Serviço de Urgência pelo Médico Dentista Assistente por edema da face com um mês de evolução, trismus e odontalgia do terceiro molar inferior direito, após múltiplos ciclos de antibioterapia sem melhoria clínica. À observação, apresentava edema da hemiface direita, trismus severo (abertura de boca cerca de 5 milímetros) e tumefação da mucosa jugal direita, sendo a avaliação intra-oral limitada. A TC maxilo-facial e cervical revelou volumosa massa no espaço mastigador direito com 69 x 56 x 81 milímetros, com áreas centrais hipocaptantes de provável natureza cístico-necrótica e ligeira erosão óssea do ramo mandibular. Na periferia da lesão, as alterações inflamatórias eram apenas ténues, favorecendo a hipótese de etiologia tumoral. Foi submetido a exploração cirúrgica intra-oral urgente sob anestesia geral, com drenagem de conteúdo purulento e exodontia de 48. Isolou-se Streptococcus sanguinis, sugerindo etiologia odontogénica. A biópsia incisional revelou alterações necro-inflamatórias inespecíficas, sem evidência de malignidade. O doente apresentou melhoria clínica e analítica significativa no período pós-operatório, com resolução completa do quadro. Discussão e Conclusões: Este caso ilustra a importância de considerar o abcesso odontogénico no diagnóstico diferencial de massas cervicofaciais, mesmo quando os achados clínicos e imagiológicos são pouco típicos. A cronicidade, a refratariedade aos antibióticos e a ausência de sinais inflamatórios exuberantes podem simular lesão tumoral, dificultando o diagnóstico. A correlação clínica, imagiológica e cirúrgica é essencial para o diagnóstico definitivo e orientação terapêutica adequada.