Resumo

Introdução: O líquen plano oral é uma doença inflamatória mucocutânea crónica, com potencial de transformação maligna, particularmente mais frequente nas formas erosivas refractárias ao tratamento convencional. O objetivo deste trabalho é ilustrar a importância da vigilância clínica prolongada, da abordagem multidisciplinar e da necessidade de suspeição clínica contínua face a lesões orais persistentes, dada o risco de progressão para carcinoma pavimentocelular. Descrição do Caso Clínico: Descreve-se o caso clínico de uma doente do sexo feminino, de 71 anos, com antecedentes de líquen plano oral, cutâneo e vulvar com cerca de 20 anos de evolução, referenciada à consulta de Estomatologia por lesões erosivas generalizadas da cavidade oral, sem resposta à corticoterapia tópica. A avaliação histopatológica inicial revelou displasia epitelial de grau ligeiro a moderado em mucosa oral com padrão inflamatório liquenoide. Perante a evolução clínica desfavorável e suspeição clínica das lesões, a doente foi submetida a múltiplas biópsias com excisões locais, culminando no diagnóstico de carcinoma pavimentocelular bem diferenciado da língua, pelo que se optou por realizar glossectomia parcial, esvaziamento ganglionar cervical ipsilateral e radioterapia adjuvante. Após dois anos de vigilância clínica sem sinais de recidiva, surgiram novas lesões multifocais malignas na língua, e foi realizada glossectomia total, esvaziamento cervical contralateral e reconstrução com retalho livre anterolateral da coxa. Apesar da evolução pós-operatória favorável, com reabilitação funcional gradual, verificou-se nova recidiva locorregional, de comportamento agressivo e rápida progressão, com envolvimento do espaço retrofaríngeo e infiltração das estruturas adjacentes, inoperável, tendo sido iniciados cuidados paliativos. A doente faleceu um mês após o diagnóstico da recidiva avançada. Discussão e Conclusões: Este caso evidencia a evolução insidiosa e a transformação maligna multifocal do líquen plano oral, ilustrando a sua complexidade diagnóstica, terapêutica e prognóstica. A deteção precoce da transformação maligna continua a constituir um desafio clínico, reforçando a necessidade de vigilância multidisciplinar prolongada, individualizada e rigorosa em contexto multidisciplinar.